1.2 Deus é o criador de todas as coisas
O mundo teve origem na criação. Essa é uma premissa inicial nas elucubrações agostinianas. Todos os seres - presentes, passados e futuros - estão representados nas idéias divinas. Mas, como passam os seres da possibilidade à existência, de sua realidade como idéias na mente divina à sua realidade como seres de Deus? Santo Agostinho responde a esta pergunta por meio da criação. Deus é o Sol do mundo inteligível, a
Luz incriada da qual se derivam as coisas à maneira de luzes criadas e participadas. Fraile, ao comentar este assunto, argumenta que para Agostinho Deus não criou o mundo no tempo, mas com o tempo. O tempo começou exatamente no instante em que o mundo começou a ser. Se assim é, quando se deu a criação? Na eternidade ou no tempo? Outro problema ainda é posto: se Deus é Eterno e logicamente vive na eternidade, Ele ignora o que ocorre no tempo.
“Sendo vossa a eternidade, ignorais porventura, Senhor, o que eu vos digo ou não vedes no tempo o que se passa no tempo"
A preocupação de Agostinho refere-se ao fato de Deus, sendo Eterno - e por isso admite claramente que a eternidade compete a Deus- e o Criador do mundo, por certo o mundo foi criado na eternidade e o próprio tempo - a quem o mundo pertence - teve início na eternidade, respondendo assim à primeira questão - compreender ou não o que ocorre no tempo.
Prosseguindo nesse caminho Agostinho inicia no Capítulo Três uma análise das Escrituras.
“No Princípio criou Deus o céu e a terra”
Se Deus criou o céu e a terra, por certo aquilo que foi criado proclama pelo seu próprio ser sua criação, pois ser criado é uma propriedade da criação. Isso ainda é evidenciado pelo fato de serem sujeitos a mudanças:
“Existem, pois o céu e a terra. Em voz alta dizem-nos que foram criados, porque estão sujeitos a mudanças e vicissitudes. Ainda mesmo o que não foi criado e, todavia existe nada tem em si que antes não existisse.”
Sendo assim, tudo o que foi criado e o que desta criação veio a originar-se, está sujeito ao tempo, pois foi criado e é passível de mudança. Existimos porque fomos criados, portanto não existíamos antes de existir, para que nos pudéssemos criar. Sendo assim, houve um tempo em que nada existia. Há, portanto, uma diferença abismal entre o Criador, cujo Ser repousa imutavelmente na eternidade, e a Criação, sujeita às mudanças ocorridas no tempo.
Ainda com os olhos em Gênesis, em especial na palavra “criar”, argumenta que toda a criação foi feita do nada, e o que depois veio a existir, ocorreu por evolução. Tudo foi criado no Princípio. Sendo assim, é incabível perguntar sobre o que Deus fazia antes de criar o tempo e o espaço, pois não se pode falar em “antes da criação”, visto que nela é que o tempo veio a existir. Para que o tempo existisse, seria necessário que houvesse alguém com condições de gerá-lo e que, em hipótese alguma, poderia estar no tempo, mas precedê-lo. Por isso, declara que o tempo e o espaço foram criados pela Palavra de Deus, que não poderá ser temporal.
É exatamente neste ponto que Agostinho, para explicar o tempo, define a eternidade, pois para ele, o tempo nada mais é que um vestígio da eternidade.
1.3 Toda criação é sujeita ao tempo
Após reconhecermos que o mundo foi criado por um Ser Superior, por Deus, e que esta criação engloba o ser humano, cuja interioridade evoca seu vínculo com o Criador, precisamos ainda questionar se haveria algum ser externo ao tempo. Agostinho diz que não. Todos os seres criados foram formados como seres temporais. No ato da criação iniciou-se o movimento. Não há ser criado que não se movimente, que não seja finito, que possa ser todo simultaneamente.
“Vós sois, antes de todos os tempos, o eterno Criador de todos os tempos. Estes não podem ser coeternos convosco, nem nenhumas outras criaturas, ainda que haja algumas que preexistem ao tempo.”
Todas as coisas foram criadas por Deus, inclusive o homem, e nada do que hoje existe poderia, em hipótese alguma, ter existido antes da criação. Só Deus não foi criado, mas a tudo criou. Mesmo as coisas que depois da criação, por geração , vieram a existir, estavam contidas na criação original como sementes racionais, que no determinado tempo viriam à realidade.