Eu gostaria que, para procurar atingir e conservar a verdade, tu te submetesses a esta via, com todo teu fervor, e que não te enveredasses por outra que não seja a que foi preparada por aquele que viu, como Deus, a fraqueza de nossos passos. Esta via consiste em primeiro lugar na humildade, em segundo na humildade, em terceiro na humildade, e, quantas vezes me perguntares, continuarei dizendo a mesma coisa. Não porque não haja outros preceitos que são afirmados, mas porque se a humildade não precede tudo o que fazemos de bem, e não acompanha e o segue, se não é proposta para que a contemplemos, apresentada para que a ela adiramos, e imposta para que a ela estejamos adstritos, logo que nos regozijamos por alguma boa ação, o orgulho nos arranca tudo das mãos. E que se os outros vícios devem ser temidos no seio do pecado, o orgulho deve causar medo mesmo numa boa ação, se não queremos que as ações realizadas de maneira louvável se percam pelo desejo do próprio elogio.
Perguntaram a um celebérrimo orador o que, em sua opinião, se devia observar em primeiro lugar entre os preceitos da eloquência. Pois bem, eis o que, segundo contam, ele teria respondido: a elocução. E em segundo lugar? - tornaram a perguntar. E ele: a mesma elocução. Perguntado uma terceira vez, respondeu de novo: a mesma elocução. Assim também eu. Se me perguntares e me interrogares quantas vezes quiseres a respeito dos preceitos da religião cristã, não gostaria de responder outra coisa a não ser a humildade, mesmo se por acaso a necessidade me obrigasse a dizer outra coisa.
'Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus' (Mt 5.3). Lemos na Sagrada Escritura acerca da cobiça dos bens temporais que 'Tudo é vaidade e presunção dos espíritos' (Ec 1.14). Ora, presunção de espírito quer dizer orgulho e arrogância. Assim é dito, freqüentemente,dos orgulhosos que estão cheios de si. [...] Logo, com razão se estende aqui que são pobres de espírito, os humildes e tementes a Deus, isto é, os desprovidos de todo espírito que incha.
E por isso [pela soberba de nossos primeiros pais, Adão e Eva] que agora, na Cidade de Deus e à Cidade de Deus, a peregrinar neste século, muito se recomenda a humildade, altamente exaltada no seu rei que é Cristo.
De certo que é bom ter o coração ao alto', mas não para si próprio - o que é soberba -, mas para o Senhor' - o que é próprio de uma obediência que só dos humildes pode ser. Assim é próprio da humildade levantar o coração ao alto' de forma maravilhosa e é próprio da soberba baixá-lo.
Talvez vos envergonhásseis de imitar um homem humilde; imitai, ao menos, um Deus humilde.
Se, em vossa fraqueza, não mostrardes desprezo pelo Cristo humilde, manter-vos-eis firmes no Cristo exaltado. Pois qual era a razão de Cristo tornar-se humilde, senão porque éreis fracos?
Louva a Deus em ti, não a ti mesmo. Não pelo fato de seres o que és, mas porque ele te fez; não porque tu podes algo, mas porque ele pode em ti e por ti.