Jesus ensinou a prática do dízimo?
Argumenta-se
que Jesus ensinou que devemos dar o dízimo em Mateus 23.23:
Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas cousas, sem omitir aquelas!
Note-se:
obedecer os preceitos mais importantes da
lei, sem omitir o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, é o que Jesus
afirma.
De
fato, esta afirmação de Jesus nos remete à discussão sobre a Lei e a Graça, o
Velho e o Novo Testamento, a Antiga e a Nova Aliança.
Não ignoramos a profecia de Jeremias:
Eis aí vêm dias, diz o SENHOR, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá... (31.31).
Esta profecia foi lembrada pelo autor de Hebreus que ensina a respeito de Jesus
como Mediador de superior aliança
instituída com base em superiores promessas (8.6), e completa: Quando ele diz
Nova, torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e
envelhecido está prestes a desaparecer
(8.13). Paulo afirma o mesmo com outras palavras: De maneira que a lei
nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos
justificados por fé. Mas, tendo vindo a
fé, já não permanecemos subordinados ao aio (Gl 3.24-25).
Sabemos
que há dois testamentos, duas alianças – uma antiga, que já passou, e uma nova,
que vigora. Mas, quando começou a vigorar a nova aliança, o novo testamento?
Hebreus
responde: Porque, onde há testamento, é
necessário que intervenha a morte do testador; pois um testamento só é
confirmado no caso de mortos; visto que de maneira nenhuma tem força de lei
enquanto vive o testador. (Hb
9.16-17) Oh! que significado tem as palavras de Jesus na última ceia: porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de
muitos, para remissão de pecados. (Mt
26.28).
Vemos,
assim, que os evangelhos retratam acontecimentos da antiga aliança.
Poderíamos
dizer que o Antigo Testamento se estende até Mateus 27.50 quando “Jesus,
clamando outra vez com grande voz, entregou o espírito.”
Dessa
forma, podemos entender muitas passagens do NT:
Em Lc 1.15 o anjo Gabriel consagra João Batista ao nazireado,
conforme Nm 6.3.
Em Lucas 2.21 Jesus é circuncidado obedecendo o disposto em Levítico 12.3;
Em
Lucas 2.22 Maria se purifica
conforme estabelecido em Levítico 12.4;
Em
Lucas 2.23 os pais de Jesus oferecem
o sacrifício prescrito em Levítico
12.6-8;
Em
Mateus 8.4 Jesus manda um leproso
fazer o sacrifício prescrito em Levítico
14;
Em
Lucas 19.8 Zaqueu se submete
duplamente à pena estabelecida em Êxodo
22.9;
Em
Mateus 17.24 Jesus paga o imposto
estipulado em Êxodo 30.11-16
Em
Mateus 26.17 Jesus e os discípulos
cumprem o requerido em Êxodo 12.1-27.
Entendemos,
então, que enquanto Jesus vivia, a Lei Mosaica estava em vigor. Como entender Mt 8.4, onde Jesus ordena a
apresentação de um sacrifício de animal ao que havia sido curado de lepra? É
necessário que façamos isto hoje? Evidentemente que não. Da mesma forma,
quando, em Mt 23.23, Jesus ordena
aos fariseus que dêem o dízimo do cominho, da hortelã e do endro, devemos
entender que eles estavam debaixo da mesma aliança mosaica que obrigou o
leproso a cumprir o ritual de Levítico
14. Há, portanto, nos relatos dos evangelhos, um aspecto de transição entre
o que é e o que há de vir. Por isso é preciso cuidado para não impor sobre o
Novo Israel prescrições relativas ao Antigo Israel. Pois não estais debaixo da lei e sim da graça (Rm 6.14).
Existe
uma passagem em Gênesis 14.20 – E de tudo lhe deu Abrão o dízimo – que é
usada para defender a prática do dízimo como supra-legal, ou seja, acima da
lei. Eis o argumento: Abrão deu o dízimo a Melquisedeque, rei de Salém, antes
da Lei ser estabelecida. Logo o dízimo é antes da Lei. Portanto o dízimo
perdura após o fim da Lei.
Tomemos
outra passagem para testar a validade da argumentação acima – Gn 17.10:
Esta é a minha aliança, que
guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será
circuncidado. Em Gn 17.23-27 vemos Abraão
circuncidando-se a si, a Ismael, e a todos os homens de sua casa. Argumentemos:
Abrão circuncidou-se antes da Lei ser estabelecida. Logo a circuncisão é antes
da Lei. Portanto a circuncisão perdura após o fim da Lei.
Temos,
assim, verificado que se este argumento é procedente para validar o dízimo, é
da mesma forma procedente para justificar a prática da circuncisão.
Uma
preciosa norma de interpretação afirma que um texto descritivo pode ilustrar
uma doutrina, porém não pode ser base de doutrina. Porém é freqüente cair neste
erro. Toda a doutrina pentecostal do batismo com o Espírito Santo esta
assentada sobre o livro de Atos – descritivo por excelência. Usando textos
descritivos grupos sectaristas ensinam, por exemplo, o lava-pés (Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos
lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros – Jo 13.14); que a Ceia deve ser celebrada com pão asmo (cf. Mt 26.17-19; Ex 12.1-27 – porém esquecem que
Jesus usou também vinho e não o suco de uva que a maioria das igrejas
usa atualmente); que o batismo só é válido quando feito em rio – “rios de águas
correntes” é a expressão usada (Mt 3.6).
Kenneth
Hagin, o fundador da “teologia” da prosperidade erige um verdadeiro arranha-céu
doutrinário sobre uma única afirmação de Jesus: Por isso, vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, crede que
recebestes, e será assim convosco (Mc
11.24).