O Dízimo e a Lei Mosaica
Trazei
todos os dízimos... (Ml 3.10).
Nenhum
profeta do Antigo Testamento criou doutrina nova. A síntese do que diziam pode
ser resumida na seguinte sentença:
Voltem para a Lei. Em outras palavras: lembrem-se do que Moisés vos
prescreveu. De modo que, se queremos saber mais a respeito do dízimo devemos
nos voltar para suas prescrições no Pentateuco. E é aí que encontraremos
algumas surpresas:
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Em Lv 27.30-33 aprendemos que os
dízimos são Santos ao SENHOR.
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Em Nm 18.21 aprendemos que os
dízimos são herança dos Levitas.
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Porém em Dt 12.5 e 14.22 aprendemos a respeito da dinâmica da entrega dos dízimos: eles eram
comidos e bebidos pelo próprio ofertante e sua família no Templo, diante do
SENHOR, numa celebração alegre e festiva: A
esse lugar [o Templo] fareis chegar os vossos ... dízimos... Lá comereis
perante o SENHOR, vosso Deus, e vos alegrareis... (12.6,7)
Se
o caminho até o Templo fosse longo, o israelita poderia vender o seu dízimo e,
chegando a Jerusalém, comprar tudo o que
deseja a tua alma: vacas, ovelhas, vinho ou bebida forte, ou qualquer cousa que
te pedir a tua alma; come-o ali perante o SENHOR, teu Deus, e te alegrarás, tu
e a tua casa. (14.26).
Repetidamente
há a recomendação de não desamparar o levita (12.12, 18, 19; 14.27). E, finalmente, no capítulo 14 uma ordem
especial:
Ao fim de cada três anos, tirarás todos os dízimos do fruto do terceiro ano e os recolherás na tua cidade. Então, virão o levita (pois não tem parte nem herança contigo), o estrangeiro, o órfão e a viúva que estão dentro da tua cidade, e comerão, e se fartarão, para que o SENHOR, teu Deus, te abençoe em todas as obras que as tuas mãos fizerem. (v 28-29)
Portanto
vemos claramente que somente de 3 em 3 anos o dízimo era entregue integralmente
aos levitas. Nos anos restantes ele era consumido alegremente “perante o
SENHOR” pelo próprio ofertante, por sua família e por muitos convidados, num
grande banquete. Em Ne 13.10-12, vemos a restauração da prática do dízimo no
Judá pós-exílio. Ali está a referência aos “depósitos” onde eram armazenados os
dízimos.
A
que prática olvidada pelo povo Malaquias estava se referindo? A tudo o que
acabamos de descrever do livro de Deuteronômio. Portanto, se quisermos usar o
profeta para restaurar a prática do dízimo, não podemos omitir os textos
Mosaicos a que ele está se referindo, pois uma boa norma de hermenêutica diz
que um texto não pode significar para nós o que não significou para os seus
destinatários originais.
O Dízimo e os Profetas
A
esta altura uma pergunta se faz necessária:
é correto que um texto do Antigo Testamento de modo geral ou um texto de
alguns dos profetas seja usado como base para se ensinar a prática ou a
abstenção de algum preceito? Alguns respondem que sim, desde que se trate da
lei moral, a qual continuamos obrigados a cumprir e não da lei cerimonial essa
sim, revogada. Mas, como fazer tal distinção? Exemplifiquemos com o conhecido
texto do profeta Isaías (capítulo 58) sobre o jejum aceitável a Deus: Seria este o jejum que escolhi, que o homem
um dia aflija a sua alma, incline a sua cabeça como o junco e estenda debaixo
de si pano de saco e cinza? ... Porventura, não é este o jejum que escolhi: que
soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres
os oprimidos e despedaces todo jugo? É moral ou cerimonial o que escreve o
profeta? E o final do discurso quando Isaías afirma: Se desviares o pé de
profanar o sábado e de cuidar dos teus próprios interesses no meu santo dia; se
chamares ao sábado deleitoso e santo dia do SENHOR, digno de honra, e o
honrares não seguindo os teus caminhos, não pretendendo fazer a tua própria
vontade, nem falando palavras vãs, então, te deleitarás no SENHOR. Eu te farei
cavalgar sobre os altos da terra e te sustentarei com a herança de Jacó, teu
pai, porque a boca do SENHOR o disse.
Guardar
o sábado é moral ou cerimonial? Freqüentemente aquilo que parece cerimonial
está inextrincavelmente ligado ao que, sem dúvida, é moral. Não
comereis cousa alguma com sangue, não agourareis, nem adivinhareis. Não
cortareis o cabelo em redondo, nem danificareis as extremidades da barba (Lv 19.26). Não contaminarás a tua filha, fazendo-a prostituir-se... guardareis os
meus sábados... não vos voltareis para os necromantes, nem para os adivinhos.
Lemos, também, que Deus quis matar Moisés porque este não havia circuncidado
seus filhos (Ex 4.24-26) e que a
pena de morte era prescrita para quem não guardasse o sábado (Ex 31.14-15). Para o judeu comer comida
kosher (pura), guardar o sábado, circuncidar a si e seus filhos e usar barba
era tão moral quanto não consultar necromantes ou adivinhos e não prostituir
sua filha. Portanto, como justificar que usar Malaquias 3.10 para se requerer a prática do dízimo é legítimo e
não é legítimo usar Isaías 58.13
para se exigir a guarda do sábado? Por que critério Malaquias 3.10 é atual e não Malaquias
4.4?
“Lembrai-vos
da lei de Moisés, meu servo, a qual lhe prescrevi em Horebe para todo o
Israel, a saber, estatutos e juízos.”
E, se Malaquias
3.10 continua vigorando, onde o Livro Santo nos autorizou a alterar a
prática do dízimo conforme prescrita pela lei de Moisés?