sábado, 30 de março de 2013

A Última Páscoa (por John MacArthur Jr.) - Parte 02 de 03

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A AÇÃO MALIGNA PREDITA

Foi provavelmente em algum ponto nesses primeiros momentos da refeição – possivelmente enquanto o cordeiro estava sendo comido – que Jesus emitiu uma nota sinistra. “E, enquanto comiam, declarou Jesus: Em verdade vos digo que um dentre vós me trairá” (Mt 26.21). Várias vezes antes disso ele tinha predito a sua própria morte. Porém, essa foi a primeira vez que ele tinha falado de ser traído por um dos seus próprios discípulos.

Pode-se apenas imaginar que desalento isso teria provocado no que era – pela maior parte até esse instante – uma ocasião festiva. A palavra para “trair” é o verbo grego paradidomai, que falava de entregar um prisioneiro para castigo. É a mesma palavra usada em Mateus 4.12, quando João Batista foi lançado na prisão. Esse era um pensamento inimaginável para a maioria dos discípulos – que Jesus seria entregue aos seus inimigos por um deles. E, no entanto, cada um sabia evidentemente que o potencial para essa deslealdade encontrava-se no coração de cada um deles. “E eles, muitíssimo contristados, começaram um por um a perguntar-lhe: Porventura, sou eu, Senhor?” (Mt 26.22).

Sem dizer nada para acalmar o medo deles, antes salientando a natureza medonha da traição que estava a ponto de acontecer, Jesus respondeu, “O que mete comigo a mão no prato, esse me trairá” (v. 23). O terrível mal inerente a essa hipocrisia e à traição foi perfeitamente descrito num dos salmos de Davi:
Com efeito, não é inimigo que me afronta; 
se o fosse, eu o suportaria;
nem é o que me odeia quem se exalta contra mim,
pois dele eu me esconderia;
mas és tu, homem meu igual,
meu companheiro e meu íntimo amigo.
Juntos andávamos,
juntos nos entretínhamos e íamos com a multidão à Casa de Deus
(Sl 55.12-14).

No Salmo 41.9, Davi escreveu um lamento semelhante sobre seu conselheiro de confiança, Aitofel, que se uniu a Absalão na revolta contra Davi: “Até o meu amigo íntimo, em quem eu confiava, que comia do meu pão, levantou contra mim o calcanhar”.

De acordo com João 13.18, Jesus citou o Salmo 41.9 nessa noite no cenáculo, indicando que o salmo tinha um significado messiânico que estava próximo de ser cumprido.

A traição de Cristo, bem como todos os outros detalhes do drama da crucificação, fazia parte do eterno plano redentor de Deus. Jesus reconheceu esse fato quando disse, “O Filho do homem vai, como está escrito a seu respeito” (Mt 26.24). Deus usaria o ato desleal de Judas para provocar a redenção de multidões não contadas. Mas mesmo assim, o ato de traição em si não era por causa disso interpretado como uma coisa boa. Não é porque Deus usa um ato mau para os seus próprios propósitos santos que esse mal pode ser chamado de bem. O fato de que os propósitos soberanos de Deus sempre são bons não santifica de forma alguma as intenções malignas de Judas. Ao contrário do que alguns sugeriram, Judas era um diabo voluntário (Jo 6.70), não um santo inconsciente. Seu destino era a condenação eterna. E Cristo enfatizou essa verdade em Mateus 26.24 também: “O Filho do homem vai, como está escrito a seu respeito, mas ai daquele por intermédio de quem o Filho do homem está sendo traído! Melhor lhe fora não haver nascido!”.

Os onze discípulos além de Judas ficaram intimidados pelo pensamento de que um dentro deles seria culpado de um ato tão sinistro. E, no entanto, é notável que a primeira resposta deles não foi acusar – mas o auto-exame. Tendo sido reprovados tão recentemente por Cristo pela sua falta de humildade por não terem lavado os pés uns dos outros, eles estavam sem dúvida ponderando a própria fragilidade pecadora. Agora eles estavam encarando um prospecto até mesmo mais perturbador: entre esses homens tão intimamente ligados entre si, que implicitamente confiavam uns nos outros, havia um traidor.

Cada um examinou seu próprio coração, e conhecendo a própria suscetibilidade ao pecado, eles perguntaram ansiosamente para Jesus, “Sou eu?” Cada um provavelmente desejou saber se de alguma maneira poderia inconscientemente fazer alguma coisa para pôr em risco o Senhor ou de revelar aos seus inimigos onde ele poderia ser encontrado.

João registra, “Então, os discípulos olharam uns para os outros, sem saber a quem ele se referia” (Jo 13.22). No entanto, não havia nada no comportamento de Judas ou na maneira como Jesus o havia tratado até esse ponto que tivesse dado aos outros discípulos uma pista de que ele fosse o traidor. “Jesus sabia, desde o princípio, quais eram os que não criam e quem o havia de trair” (Jo 6.64), mas ele nunca tinha desconfiado ou se esquivado de Judas; ele sempre o tratou com a mesma ternura e benevolência demonstradas aos outros. E também, Judas era o tesoureiro e assim parecia desfrutar de uma medida extra da confiança de todos. Ele provavelmente era um dos últimos discípulos de quem qualquer um teria suspeitado. E no entanto toda a sua associação com Jesus tinha sido nada mais que um enigma.


O TRAIDOR DESMASCARADO

Para manter o enigma mais um pouco, Judas se juntou ao grupo perguntando, “Acaso sou eu, Mestre?” (Mt 26.25). A expressão grega transmite uma incredulidade zombeteira. Uma versão habilmente traduz isso desta forma: “Seguramente não sou eu, Mestre?” (NASB).

Jesus simplesmente respondeu, “Tu o disseste” (v. 25). Esse comentário foi feito evidentemente em voz baixa, para Judas apenas, ou então os outros discípulos não conseguiram captar seu significado, porque o apóstolo João, que estava reclinando próximo a Jesus não ouviu. João registra que Pedro fez um sinal para perguntar a Jesus sobre quem ele estava falando:
Ora, ali estava conchegado a Jesus um dos seus discípulos, aquele a quem ele amava; [esse é o modo pelo qual João se identificou ao longo do seu evangelho] a esse fez Simão Pedro sinal, dizendo-lhe: Pergunta a quem ele se refere. Então, aquele discípulo, reclinando-se sobre o peito de Jesus, perguntou- lhe: Senhor, quem é? Respondeu Jesus: É aquele a quem eu der o pedaço de pão molhado. Tomou, pois, um pedaço de pão e, tendo-o molhado, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes (Jo 13.23-26).
Até mesmo essa conversa deve ter acontecido aparentemente em tons sussurrados, porque nenhum dos outros discípulos parecia perceber que Cristo estava identificando Judas como o traidor. Quando ele disse então para Judas, “o que pretendes fazer, faze-o depressa” (v. 27), João diz, “Nenhum, porém, dos que estavam à mesa percebeu a que fim lhe dissera isto. Pois, como Judas era quem trazia a bolsa, pensaram alguns que Jesus lhe dissera: Compra o que precisamos para a festa ou lhe ordenara que desse alguma coisa aos pobres” (vs. 28,29).

João também registra que depois que Judas tomou o pedaço de pão de Jesus, Satanás entrou nele (v. 27). Como antes, quando Judas organizou a traição com o Sinédrio, ele estava possuído pelo diabo. Tendo endurecido o seu coração para com Jesus, ele se tornou totalmente um instrumento do maligno.

A destruição eterna de Judas estava agora estabelecida. Tudo que faltava fazer era a própria ação. E não havia nenhum motivo para prolongar a questão. Na verdade, Jesus queria agora que o traidor possuído por Satanás saísse do aposento para que ele pudesse terminar a refeição pascal com os seus verdadeiros discípulos. Assim, ele instruiu Judas a cumprir sem demora o seu desígnio.

Não há como saber se o plano original de Judas era trair Jesus nessa noite em particular. Claro que nós sabemos de Mateus 26.5 que os líderes judeus teriam preferido esperar pelo menos até depois do período da festa – ainda a uma semana de distância – para tratar com Jesus. Mas o cronograma divino era perfeito, e aqueles acontecimentos no cenáculo selaram a decisão de Judas para trair Jesus nessa mesma noite. Ele sabia exatamente como fazer isso, porque o costume que Jesus tinha de orar com seus discípulos no Getsêmani era bem estabelecido (Jo 18.2).