quarta-feira, 22 de maio de 2013

Pena de Morte - Uma Avaliação Teológica e Confessional (F. Solano Portela Neto) - parte 01 de 03

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Extraído de: Monergismo.com

Introdução

A Pena de Morte é um assunto atual. A sua validade é discutida em todos os setores da sociedade. À medida em que aumenta a incidência dos crimes violentos vemos alguns setores movimentando-se para que a Pena Capital seja instaurada em nosso sistema judiciário. Mas o que diz a Bíblia sobre este tema? Qual deve ser a posição do servo de Deus, perante assunto tão controvertido? Poderíamos começar o nosso exame fazendo uma ligeira verificação do que a Bíblia tem a dizer sobre crimes e punições.

Crimes e Punições na Palavra de Deus

Podemos aprender bastante com os princípios que norteavam o tratamento que a Bíblia dá aos crimes e punições. Vejamos, mesmo superficialmente, alguns destes princípios:
1. Na Bíblia não existe a provisão para cadeias, nem como instrumento de punição nem como meio de reabilitação. A cadeia era apenas um local onde o criminoso era colocado até que se efetivasse o julgamento devido. Em Números 15:34 lemos: “...e o puseram em guarda; porquanto não estava declarado o que se lhe devia fazer...”

2. Desta forma, não encontramos, na Palavra de Deus, o conceito de enclausuramento como remédio, ou a perspectiva de reabilitação através de longas penas na prisão e, muito menos, a questão de “proteção da sociedade” através da segregação do indivíduo que nela não se integra, ou que contra ela age.

3. O princípio que encontramos na Bíblia é o da restituição. Em Levítico 24:21 lemos, “...quem pois matar um animal restitui-lo-á, mas quem matar um homem assim lhe fará.” A restituição ou retribuição, era sempre proporcional ao crime cometido.

4. Para casos de roubo, a Lei Civil Bíblica prescreve a restituição múltipla. Vejamos em Êxodo 22:4 “...se o furto for achado vivo na sua mão, seja boi, seja jumento, ou ovelha, pagará o dobro.”

5. Nos casos de roubo de propriedade que representa o ganha pão ou meio de subsistência do prejudicado, a Bíblia prescreve a restituição de quatro ou cinco vezes o que foi roubado. Assim lemos em Êxodo 22:1 “...se alguém furtar boi ou ovelha e o degolar ou vender, por um boi pagará cinco bois, e pela ovelha quatro ovelhas.”

6. Em todas as instâncias o direito de cada um de defesa de sua propriedade era um direito concedido e salvaguardado, como vemos em Êxodo 22:2: “...se o ladrão for achado a minar e for ferido, e morrer, o que o feriu não será culpado do sangue.”

7. Aqueles que roubavam alimentos para satisfazer a fome, deviam ser tratados com clemência, mas mesmo assim, persistia a obrigação de restituir sete vezes o alimento que furtou do legítimo dono, uma vez que a própria constituição da sociedade já possuía a provisão para atendimento aos carentes, tornando desnecessário o furto, como vemos em Deuteronômio 24:19 a 21. Desta forma lemos em Prov. 6:30, 31: “...não se injuria o ladrão quando furta para saciar sua alma, tendo fome; mas encontrado, pagará sete vezes tanto: dará toda a fazenda da sua casa...”

8. Vemos então que apenas um exame superficial das diretrizes bíblicas e um confronto destas com as opiniões que agora surgem, mostra a sabedoria ali encontrada. Já há milênios antes de Cristo a Bíblia determinava punições pecuniárias, que o homem, a ela hoje chega, baseado na constatação empírica de que outras medidas não funcionam. Com efeito os encarceramentos prolongados, hoje aplicados não produzem reabilitações, não são bem sucedidos em conservar o criminoso fora de ação e as prisões constituem-se, na realidade, em verdadeiras fábricas de criminosos piores e mais violentos.

9. O sistema bíblico de punição pecuniária é destinado a tornar o crime uma atividade não lucrativa. No que diz respeito àqueles criminosos que se recusavam a obedecer as autoridades constituídas, a sentença é a pena de morte. Lemos isto em Deuteronômio 17:12: “...o homem pois que se houver soberbamente, não dando ouvidos ao sacerdote, que está ali para servir ao Senhor teu Deus, nem ao juiz, o tal homem morrerá e tirarás o mal de Israel.”

10. Isto equivale a dizer que a condição de reabilitação na sociedade, para o criminoso primário, era total e absoluta. Ele, pagando a indenização devida, estava pronto a se reintegrar na sociedade atingida pelos seus desmandos, que não deveria discriminá-lo de nenhuma forma, pois restituição havia sido efetivada.

11. Por outro lado, havia aqueles que se recusavam a obedecer, reincidindo no caminho do crime. A Bíblia reconhece a necessidade de proteger a sociedade desses elementos, mas não através de uma forma pseudo-humanitária somente onerosa, imperfeita e impossível de produzir resultados. O sistema encontrado na Bíblia apresenta a efetivação desta proteção de uma forma radical, mas destinada a produzir frutos permanentes e a gerar a paz e a tranqüilidade em uma sociedade. Além disso, poderíamos falar no efeito didático, que a aplicação coerente e sistemática desta pena teria nos reincidentes em potencial.

12. Que diferença encontramos na filosofia e no sistema empregado generalizadamente nos dias atuais! O crime prospera porque é lucrativo e porque corre impune, sendo isso também uma conseqüência da falta de adequação das penas impostas aos crimes cometidos.

13. Obviamente não há a possibilidade da aplicação direta e total das Leis Civis prescritas por Deus ao estado teocrático de Israel, na sociedade atual. Nem podemos advocar a aplicação da Pena de Morte para todas as situações temporais prescritas na Lei Mosaica (como por exemplo: pela quebra do sábado), pois destinavam-se a uma nação específica, dentro de específicas circunstâncias, e com propósitos definidos, da parte de Deus.

Muitos dos princípios encontrados, naquela sociedade agrária, entretanto, são eternos e válidos até os dias de hoje e merecedores do nosso exame e estudo. Juristas cristãos muito poderiam contribuir para um aprofundamento deste tema.
Neste estágio, nosso exame do assunto torna-se difícil, sem uma análise maior do significado da Lei de Deus, o que passamos a fazer:

A Lei de Deus 

O Que É a Lei de Deus?

Deus proferiu e revelou diversas determinações e deveres para o homem, em diferentes épocas na história da humanidade. Sua vontade para o homem, constitui a sua Lei e ela representa o que é de melhor para os seus. Quando estudamos a Lei de Deus, mais detalhadamente, devemos, entretanto, discernir os diversos aspectos, apresentados na Bíblia, desta lei. Muitos mal-entendidos e doutrinas erradas podem ser evitadas, se possuirmos a visão bíblica do assunto.Nossa convicção é a de que podemos dividir a Lei de Deus em três áreas:

Os Três Aspectos da Lei de Deus:

1. A Lei Civil ou Judicial — Representa a legislação dada à sociedade ou ao estado de Israel, por exemplo: os crimes contra a propriedade e suas respectivas punições.  
2. A Lei Religiosa ou Cerimonial — Esta representa a legislação levítica do Velho Testamento, por exemplo: os sacrifícios e todo aquele simbolismo cerimonial.  
3. A Lei Moral — Representa a vontade de Deus para com o homem, no que diz respeito ao seu comportamento e aos seus deveres principais.

Toda a Lei É Aplicável aos Nossos Dias?

Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte compreensão:
  • A Lei Civil: Tinha a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático de Israel. Como tal, não é aplicável normativamente em nossa sociedadeOs Sabatistas erram ao querer aplicar parte dela, sendo incoerentes, pois não conseguem aplicá-la, nem impingi-la, em sua totalidade.
  • A Lei Religiosa: Tinha a finalidade de imprimir nos homens a santidade de Deus e apontar para o Messias, Cristo, fora do qual não há esperança. Como tal, foi cumprida com Sua vinda.Os Sabatistas erram ao querer aplicar parte dela nos dias de hoje e ao misturá-la com a Lei Civil.
  • A Lei Moral: Tem a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres, revelando suas carências e auxiliando-o a discernir o bem do mal. Como tal, é aplicável em todas as épocas e ocasiõesOs Sabatistas acertam ao considerá-la válida, porém erram ao confundi-la e ao misturá-la com as duas outras, prescrevendo um aplicação confusa e desconexa.

O seguinte gráfico nos auxilia a visualização da aplicabilidade das Leis de Deus, no período em que vivemos:

A APLICABILIDADE DA LEI DE DEUS EM NOSSOS DIAS



Estamos Sob a Lei ou Sob a Graça de Deus?


Muitas interpretações erradas podem surgir de um falho entendimento das declarações bíblicas de que “não estamos sob a lei mas sob a graça” (Romanos 6:14). Se considerarmos que os três aspectos apresentados da lei de Deus são distinções bíblicas, podemos afirmar:

  • Não Estamos Sob a Lei Civil de Israel, mas sob o período da Graça de Deus, em que o Evangelho atinge todos os povos, raças tribos e nações.
  • Não Estamos sob a Lei Religiosa de Israel, que apontava para o Messias, foi cumprida em Cristo, e não nos prende sob nenhuma de suas ordenanças cerimoniais, uma vez que estamos sob a graça do Evangelho de Cristo, com acesso direto ao trono, pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação dos sacerdotes.
  • Não Estamos Sob a Condenação da Lei Moral de Deus, se fomos resgatados pelo seu sangue, mas nos achamos cobertos por sua graça.
  • Não estamos, portanto, sob a lei, mas sob a graça de Deus, nesses sentidos.

Entretanto...

  • Estamos Sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela continua representando a soma de nossos deveres e obrigações para com Deus e para com o nosso semelhante.
  • Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela, resumida nos Dez Mandamentos, representa a trilha traçada por Deus no processo de santificação, efetivado pelo Espírito Santo em nossas pessoas (João 14:15). Nos dois últimos aspectos, a própria Lei Moral de Deus é uma expressão de sua Graça, representando a objetiva e proposicional revelação de Sua vontade.

Vemos então, que qualquer tentativa de descartar as considerações bíblicas e um estudo mais profundo da Pena de Morte, com a alegação — "Ah, esta foi uma determinação para o tempo da Lei, e nós estamos agora sob a graça...” constitui-se em uma afirmação prematura e sem significado, pois não leva em consideração os diversos aspectos e nuanças da Lei de Deus.