Meu objetivo aqui é mostrar nas Escrituras que a existência simultânea da vontade de Deus "que todos os homens se salvem" (1 Tm. 2:4) e sua vontade de eleger incondicionalmente todos que, de fato, serão salvos não é um sinal de esquizofrenia divina ou confusão exegética. Um objetivo correspondente é demostrar que a eleição incondicional, portanto, não contradiz as expressões bíblicas da compaixão de Deus por todas as pessoas, e não anula a oferta sincera de salvação para aqueles que estão perdidos dentre todos os povos do mundo.
1 Timóteo 2:4, 2 Pedro 3:9 e Ezequiel 18:23 podem ser considerados textos pilares dos arminianos em referência a vontade salvífica universal de Deus. Em 1 Timóteo 2:1-4, Paulo diz que a razão pela qual devemos orar por reis e todos que se acham investidos de autoridade é que isto pode trazer uma vida quieta e sossegada, que é algo "bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, que quer (thelei) que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade." Em 2 Pedro 3:8-9, o apóstolo diz que a demora da Segunda Vinda de Cristo se deve ao fato que para o Senhor um dia é como mil anos e mil anos como um dia. "O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; porém é longânimo para convosco, não querendo (boulomenos) que ninguém se perca, senão que todos venham a arrepender-se." E em Ezequiel 18:23 e 32 o Senhor fala sobre seu coração pelos que se perdem: "Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor DEUS; Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva? ... Porque não tenho prazer (ehephoz) na morte do que morre, diz o Senhor DEUS; convertei-vos, pois, e vivei." (cf 33.11).
É possível que uma exegese cuidadosa de 1 Timóteo 2:4 nos levasse a acreditar que "a vontade de Deus para que todos sejam salvos" não se refere a cada indivíduo no mundo, mas antes para todos os tipos de pessoas, pelo fato que "todos os homens" no verso 1 pode significar grupos como "reis e todos em altas posições" (v.2). Também é possível que o "convosco" em 2 Pedro 3:9 ("é longânimo para conosco, não querendo que ninguém se perca") refira-se não a cada pessoa no mundo, mas para nós cristãos confessos que, como Adolf Schlater diz, "são pessoas que apenas através do arrependimento podem alcançar a graça de Deus e a herança prometida."
Todavia, o caso desta limitação na vontade salvífica universal de Deus nunca foi convincente para arminianos, e é provável que não se tornará convincente, especialmente porque Ezequiel 18:23, 32 e 33:11 são ainda menos tolerantes da restrição. Portanto, como um crente sincero na eleição individual e incondicional, eu me regozijo em afirmar que Deus não se deleita na morte do ímpio, e que Ele tem compaixão por todas as pessoas. Meu objetivo é mostrar que esta não é conversa dúbia.
A atribuição desde capítulo não é defender a doutrina de que Deus escolhe incondicionalmente aqueles que irá salvar. Eu tentei fazer isto em outro lugar e outros o fazem neste livro. Não obstante, eu tentarei criar um argumento plausível de que, enquanto os textos pilares arminianos possam ser, de fato, pilares para o amor universal, não são, no entanto, armas contra a eleição incondicional. Se eu tiver sucesso, então, haverá uma indireta confirmação da tese deste livro. De fato, penso que arminianos tem errado em tentar pegar os pilares de amor universal e torná-los em armas contra a graça eletiva.
Afirmar a vontade de Deus de salvar todos, enquanto também afirmar a eleição incondicional de alguns, implica em pelo menos "duas vontades" de Deus, ou duas formas de vontade. Isto implica que Deus decreta um estado de coisas, enquanto deseja e ensina que outro estado de coisas venha a acontecer. Esta distinção entre as vontades de Deus tem sido expressada de várias formas através dos séculos. Isto não é nova invenção. Por exemplo, teólogos já falaram de vontade moral e vontade soberana, vontade eficiente e vontade permissiva, vontade secreta e vontade revelada, vontade de decreto e vontade de comando, vontade decretiva e vontade preceptiva, voluntas signi (vontade assinada) evoluntas beneplaciti (vontade de bom prazer), etc.
Clark Pinnock refere-se de maneira desaprovadora sobre "a noção extremamente paradoxal de duas vontades divinas a respeito da salvação". No volume mais recente de Pinnock (A Case for Arminianism), Randall Basinger argumenta que "se Deus decretou todos os eventos, então logicamente as coisas não podem e não devem ser diferentes do que elas são." Em outras palavras, ele rejeita a noção de que Deus poderia decretar que uma coisa seja de uma maneira e ainda ensinar que devemos agir para fazê-la de outra forma. Ele diz que é muito difícil "conceber coerentemente um Deus em que esta distinção realmente exista".
No mesmo volume, Fritz Guy argumenta que a revelação de Deus em Cristo trouxe uma "mudança de paradigma" na forma como devemos pensar sobre o amor de Deus - a saber como "mais fundamental, e prioritário, que a justiça e o poder." Esta mudança, diz ele, torna possível pensar sobre a “vontade de Deus” como "deleitando-se mais do que decidindo". A vontade de Deus não seria o seu propósito soberano que Ele estabelece infalivelmente, mas sim "o desejo do amante para o amado”. A vontade de Deus é a sua intenção e desejos gerais, e não seu propósito efetivo. Dr. Guy vai tão longe que chega a dizer: "Aparte de uma pressuposição predestinatória, torna-se evidente que a vontade de Deus deve sempre (sic) ser entendida em termos de intenção e desejo [ao contrário do propósito soberano, eficaz]."
Estas críticas não são novas. Jonathan Edwards escreveu há 250 anos, "Os arminianos ridicularizam a distinção entre a vontade secreta e revelada de Deus, ou, mais propriamente expressado, a distinção entre o decreto e a lei de Deus; porque nós dizemos que Ele pode decretar uma coisa, e ordenar outra. E assim, argumentam eles, temos uma contrariedade em Deus, como se uma dessas vontades contradissesse a outra."
Mas apesar destas críticas, a distinção permanece, não por causa de uma dedução lógica ou teológica, mas porque é inevitável nas Escrituras. O exegeta mais cuidadoso do livro de Pinnock A Case for Arminianism (Uma defesa do Arminianismo) admite a existência de duas vontades em Deus. I. Howard Marshall aplica seu dom exegético para as Epístolas Pastorais. Com respeito a 1 Timóteo 2:4 ele diz:
“Para evitar qualquer mal-entendido, deve ficar claro desde já que o fato de Deus querer ou desejar que todas as pessoas sejam salvas, não implica necessariamente que todos responderão ao evangelho e serão salvos. Nós devemos certamente distinguir entre o que Deus gostaria de ver acontecer e o que ele realmente deseja que aconteça, e ambas as coisas podem ser ditas como sendo vontade de Deus. A questão em debate não é se todos serão salvos, mas se Deus fez provisão em Cristo para a salvação de todos, desde que eles creiam, e sem limitar o escopo potencial da morte de Cristo meramente para aqueles que Deus sabia que viriam a crer.”
Neste capítulo eu gostaria de embasar o ponto de Marshall de que "nós devemos certamente distinguir entre o que Deus gostaria de ver acontecer e o que ele realmente deseja que aconteça, e [que] ambas as coisas podem ser ditas como sendo vontade de Deus”. Talvez a maneira mais eficaz de fazer isso é começar por chamar a atenção para a forma como a Bíblia retrata Deus querendo algo em um sentido, que desaprova em outro sentido. Então, depois de ver algumas das evidências bíblicas, poderemos retroceder e refletir sobre como compreender isso em relação aos propósitos salvíficos de Deus.