“Do SENHOR é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam.
Porque Ele a fundou sobre os mares, e a firmou sobre os rios”.
(Salmos 24:1-2).
Sou pai de quatro filhos. Faz muito tempo que me dei conta de que há certos conceitos que os meninos aprendem com muita facilidade. Acho que a segunda palavra que aprenderam foi "não!" Isso é compreensível: minha esposa e eu lhes tínhamos ensinado essa palavra repetidas vezes — com a ajuda das ferramentas necessárias.
Outra palavra que eles aprenderam com assombrosa precocidade foi “meu!” creio que foi a sua terceira palavra, com exceção do meu filho Scott. Para ele, se não me foje a memória, sua primeira palavra foi “meu!”. Isso brota tão facilmente, que é como se a ideia já estivesse plantada em suas pequenas mentes, prestes a germinar tão logo começassem a falar. Eu creio que de fato, isso vem semeado nos portadores da imagem de Deus.
O que não é tão fácil de ensinar as crianças é o conceito de “teu”. Talvez, este seja um dos conceitos mais difíceis de ensinar ao ser humano. Faz-se a guerra por sua causa. Os políticos ganham (ou perdem) eleições por sua causa. Às vezes a gente atua como se não tivessem fronteiras para "o meu," com a consequência que não há garantias verdadeiras para "o teu.”.
O que quero dizer, quando digo "meu"? Ou o que você quer dizer, quando dizes "teu"? Existe algo na Bíblia que nos ajude a esclarecer estas duas palavras opostas?
"Seu"
Vamos começar pelo princípio, pelo primeiro capítulo do livro de Gênesis O primeiro versículo mesmo anuncia: “No princípio criou Deus os céus e a terra”. Aqui claramente se diz: Deus é o Criador. Isto nos leva à doutrina mais importante da Bíblia: que é a distinção entre o Criador e a criatura. Há uma diferença fundamental entre o Criador e a sua criação. Esta doutrina estabelece que Deus e nenhum outro é o governador absoluto sobre toda a criação. Foi Deus quem estabeleceu as leis que regem a criação. E Ele continuamente julga a sua criação de acordo coma a sua lei e os seus requisitos. Essa é a doutrina da criação original.
Deus criou o mundo; portanto, o mundo lhe pertence. Ele é o dono absoluto de todas as coisas. Como veremos mais adiante, Ele delegou a propriedade da terra à humanidade. Essa é a razão da criança criada à imagem de Deus (Gn 1:26) aprender tão facilmente o conceito de “meu!”. Mas Deus não tem delegado todas as coisas a uma pessoa em particular, ou a uma instituição sozinha. O ímpio pode retrucar dizendo que Deus delegou todas as coisas ao Estado (o que nós conhecemos por socialismo). Ou pode agir como se Deus tivesse dado todas as coisas ao seu grupo de interesse. Por isso, é tão complicado aprender e ensinar a ideia de “teu”. “Teu” significa que o “meu” é limitado. Os ímpios resistem a tal limitação.
Mas o “meu” é sempre limitado. O “meu” implica necessariamente no “teu”. Somente Deus é o dono absoluto de tudo. Somente Ele possui todas as coisas. O que Ele faz é fundamentalmente arrendar o que possui aos homens. Tudo o que possuímos, inclusive a vida, nós devemos a Deus. E cada pessoa será julgada pela administração dos bens de Deus.
Como podemos determinar se somos bons mordomos de Deus? Não devemos fazer julgamentos no tocante à nossa honradez, nossa frugalidade, a sabedoria de nossas decisões e se estamos ou não investindo sabiamente o que Deus nos confiou? É claro que a administração dos bens de Deus implica em responsabilidade para o uso da propriedade. Onde descobrimos estes requisitos? Descobrem-se na Bíblia.
A criação e a propriedade original
O primeiro princípio de todo pacto bíblico é o princípio da transcendência: a supremacia absoluta de Deus. Deus é supremo e soberano sobre todas as coisas. Isto significa que Ele é muito superior a criação e totalmente diferente dela. Trata-se de um Deus soberano. Em poucas palavras, Deus manda.
Este princípio da transcendência tem um impacto sobre a economia política porque a propriedade é no fim das contas teocêntrica (centrada em Deus). Ele criou tudo o que existe e, como o seu dono, Ele está no centro do universo. Isso significa que a propriedade é fundamentalmente um conceito religioso. Ninguém pode compreender corretamente o conceito de propriedade à parte de Deus, dono absoluto da criação. Do mesmo modo, é impossível falar corretamente dos deveres da propriedade (o tema deste livro) sem falar também do que Deus especificamente requer dos homens em sua condição de proprietários.
A Providencia
A doutrina da criação nos leva a uma segunda doutrina -- a doutrina da providencia--- isto é, a constante manutenção e sustentação da criação por Deus. Deus cuida e guarda o universo de uma maneira pessoal. Não só o criou, senão que também o sustenta. Ele assegura a sua continuação através do tempo: somente pelo poder de Deus é que a terra e o universo se mantêm.
Lemos em colossenses "Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por Ele e para Ele. E Ee é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por Ele." (Cl 1:16-17). O propósito está bem claro: Deus não somente criou a terra, mas também a sustenta. É por meio do seu filho Jesus Cristo que a história existe, e que o mundo continua funcionando. Em suma, sem Deus--- não existe universo.
Deus criou e sustenta todas as coisas. Por isso, o salmista Davi disse que do Senhor é a terra. Os milhares de animais nos bosques são dele, bem como os milhares nas selvas também o são (Sl 50:10). Não há nada em toda a terra que não pertença total e completamente a Deus. Por isso, podemos estar certos que ao usar a bíblia como nosso ponto de referencia poderemos responder a pergunta: Quem é dono? E de que coisa?
Um dos grandes debates que dividiu às sociedades no Século XX foi o debate sobre a propriedade socialista e a propriedade privada. Os socialistas propunham que o Estado (o governo civil) devesse ser proprietário das ferramentas de produção. Nos anos de 1930, os nacionais socialistas (o Partido Nazista de Alemanha) e os fascistas de Itália sustentaram que o Estado deveria controlar os instrumentos de produção, ainda que a propriedade fosse considerada oficialmente "privada". Em contraste, o mercado livre é um sistema baseado tanto na propriedade privada como no controle particular dos meios e ferramentas de produção.
A Propriedade Trinitária
Qual sistema de propriedade ensina a Bíblia? Encontramos o princípio de nossa resposta na doutrina de Deus, particularmente na doutrina neotestamentária da Trindade, a união de Deus Pai, o Filho, e o Espírito Santo. Quando aceitamos a doutrina da Trindade, que é a doutrina teológica mais fundamental do cristianismo do Novo Testamento, temos que reconhecer que Deus é ao mesmo tempo um e diverso. Há três pessoas na Trindade, mas apenas um Deus.
O sistema de propriedade que Ele requer, reflete seu ser Trinitário. Deus estabeleceu regras de propriedade que são ao mesmo tempo coletivas e individualistas. Alguns bens são propriedade de indivíduos; outros de famílias, corporações, alguns são propriedades de Igrejas e outros do governo civil, isto é o Estado.
Também encontramos na Bíblia um sistema de superposição da propriedade. Certas propriedades pertencem principalmente a indivíduos e só secundariamente ao Estado. Em outros casos, os indivíduos possuem bens, e as famílias têm também direitos legítimos. Em outras palavras, a propriedade não pertence absolutamente a nenhum individuo ou instituição. A afirmação feita no inicio desse capítulo necessariamente nessa conclusão: que só Deus é o dono absoluto de toda a criação. Ele tem direito absoluto de propriedade. Todos os outros títulos de propriedade são subordinados.
Quando tratamos da propriedade do homem se trata de uma propriedade outorgada por Deus. Ele é o governador absoluto e final de toda a criação e, portanto, é o seu absoluto proprietário. No entanto, Deus tem delegado ao homem a responsabilidade de cuidar da criação (Gn 1:28). Portanto, o homem é um mordomo debaixo da supervisão de Deus. Isto significa que o homem deve prestar contas a Deus por tudo o que é, e é responsável diante Deus pela correta administração de tudo o que se lhe tem encomendado.
A propriedade privada
É indiscutível que a Bíblia, inclusive o Novo Testamento, afirma a propriedade privada. Jesus ofereceu a parábola seguinte como uma descrição do reino de Deus. Certa manhã um dono de terras manda a seu servo a procurar trabalhadores. Vários são contratados pela manhã. O servo volta ao mercado várias vezes durante o dia. A cada vez, contrata quem queira trabalhar nos campos. Ao final do dia, o dono paga a cada um o mesmo salário. Os que trabalharam todo o dia se queixaram: Por que não deveriam eles receber mais dinheiro do que os que chegaram mais tarde?
O que Jesus queria nos ensinar? Que Deus salva a alguns homens no começo da sua vida, alguns à metade de sua vida, e a outros um pouco antes que se morram. Por que deveriam se queixar os primeiros beneficiários? Eles procuravam trabalho, e o encontraram. E, que não compreenderam os termos do contrato, o proprietário lhes repreende: "Não me é lícito fazer o que quero com o que é meu? Ou tens tu inveja, porque eu sou bom?" (Mt 20:15). Jesus comparou a soberania de Deus em dar a salvação aos homens com o direito de propriedade do seu dono sobre os seus bens.
A igreja primitiva em Jerusalém praticou voluntariamente a propriedade comum dos bens. Jesus tinha-lhes advertido que Jerusalém seria destruída pelos Romanos (Lc 21), assim venderam tudo quanto possuíam e compartilharam as suas propriedades.
O casal, Ananias e Safira, vendeu uma propriedade. Eles tomaram uma porção do dinheiro, e deram o resto à igreja. Mas eles lhes disseram aos líderes que tinham doado todo o preço da venda à igreja. Pouco dantes que Deus lhes julgasse por seu pecado de mentira e falsidade, Pedro lembrou a Ananias: “Guardando-a não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder? Por que formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus". (At 5:4). A mensagem de Pedro era clara: Não há lugar para uma ideia de propriedade socialista ou comunista na administração de Deus. A propriedade comum é voluntária. O compartilhar a propriedade era um donativo, não um dever moral, muito menos um requisito legal.
Assim que, um dos argumentos mais populares dos socialistas "cristãos," de que a igreja primitiva possuía os bens em comum, é na realidade um argumento na contramão do socialismo, em que o Estado o requer e executa. Só em Jerusalém a igreja se adaptou a essa política de compartilhar os bens, porque só Jerusalém estava ameaçada com a profecia destruição divina. Ainda assim, isso foi um costume que foi temporária e voluntariamente usado por homens perversos para defender um sistema permanente e involuntário de furto pelas urnas eleitorais, o socialismo moderno e o Estado assistencial de beneficência. (...)
A lei bíblica
Onde encontramos instruções com respeito aos tipos de propriedade que devem pertencer às associações e às agências governamentais? Onde encontramos os melhores regulamentos ("esquemas")?
A resposta é: temos que nos ater à lei bíblica. Quando examinamos o que Deus nos revelou a respeito de si mesmo e sua criação, encontramos regulamentos ("esquemas") a respeito da distribuição correta dos bens. Encontramos regulamentos para a posse privada de bens, para a herança, para o sustento dos pobres, para o sustento do governo civil, etc. Se não nos dirigimos à Bíblia e à lei bíblica a fim de descobrir estas respostas, então nos enredaremos em debates inúteis que desonram a Deus. Através da história, tem havido debates sem fim sobre "a propriedade privada comparada com a propriedade coletiva." Esses debates, não se resolveram por que os homens não estão de acordo em suas crenças mais básicas. Eles não compartilham de uma mesma perspectiva moral. Há desacordo sobre a origem e o controle do universo. Portanto, também não há acordo em quanto à origem e os regulamentos da propriedade. Há desacordo quanto à mordomia. Não se conseguiu acordo quanto a quem possui ou quem devesse possuir qualquer coisa.
Esse livro representa uma tentativa de esclarecer alguns destes temas fundamentais. Não é possível que tão breve livro trate de todos os temas importantes, mas, pelo menos pode servir como uma introdução geral. Não resta dúvida de que os ensinos bíblicos a respeito da propriedade se opõem às teorias econômicas socialistas modernas como também se opõem às teorias da propriedade absolutamente privada. Mas no geral, encontramos que às associações privadas e, especialmente a família, Deus tem delegado mais obrigações do que ao governo civil e a suas agências burocráticas.
Conclusão:
O conceito bíblico de propriedade é centrado em Deus. "Porque meu é todo animal da selva, e o gado sobre milhares de montanhas." (Sl 50:10). Deus é o dono absoluto de toda a criação, e Ele a sustenta por meio de seu supremo poder governador.
Ele estabeleceu o homem como um administrador sobre seus bens, e estabeleceu leis para a administração e a transferência da propriedade que devem ser obedecidas para que a obra dê ganhos. Os homens têm de ser mordomos fiéis a Deus. Nem a propriedade privada nem a estatal são absolutas. Mas como vimos nem o governo civil nem a igreja possuem a maioria dos bens na Bíblia. A maioria dos bens são possuídos pelas famílias ou os agentes econômicos das famílias.
Toda a propriedade é social. Os compradores e os vendedores competem — os compradores com os demais compradores, e os vendedores com os outros vendedores — pelos recursos escassos da criação. Esse processo de concorrência, alguns economistas chamam de processo de descoberta, que dá incentivos econômicos aos donos para que administrem seus bens para o benefício dos consumidores.
Legalmente, a Bíblia permite uma grande liberdade na administração da propriedade privada, mas desde que numa perspectiva econômica, em que cada decisão (ou indecisão) por parte do dono implica seu próprio custo. Todo proprietário que se recusa a satisfazer as demandas dos seus consumidores, perde os ganhos, ou perde o aumento de valor de seus bens, ou as duas coisas. E paga um alto preço por se omitir as demandas dos seus consumidores. Mas no geral, ele está legalmente livre para fazer o que ele quer com seus bens, sempre que não prejudique (física ou moralmente) a outra pessoa; ele não pode usar sua propriedade isenta de gastos.
Temos que começar nosso estudo dos princípios econômicos bíblicos assumindo as seguintes pressuposições:
1.
Deus é o
Criador supremo.
2.
Deus é o
dono absoluto de todos os bens.
3. Deus disse
que o homem deveria governar (ter domínio sobre) às demais criaturas da terra.
4. Deus deu ao
homem a responsabilidade de administrar a propriedade (a mordomia diante de
Deus).
5.
A
propriedade tem uma função social (a mordomia diante dos homens).
6.
Deus
estabeleceu critérios para a propriedade legal.
7.
Deus
estabeleceu leis para a administração de seus bens pelo homem.
8.
A lei
bíblica revela esses critérios.
9.
O homem é
diferente de Deus, pois ele tem um conhecimento limitado.
10. Os ganhos e as perdas ajudam aos homens a descobrir o melhor uso dos
bens que Deus lhes deu para administrar.
11. A economia política do mercado livre é um leilão gigante.
12. O princípio normal deste leilão gigante é "a maior oferta ganha".
13. O intermediário é o agente econômico dos consumidores.
14. A lei bíblica estabelece os princípios corretos da
posse e administração dos bens.
Fonte: In Herit The Earth, ( Herdando a Terra) cap.1
Extraído de: