quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A Relevância dos Credos e Confissões (por Heber Carlos de Campos) - parte 03 de 05

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VI. Os Principais Propósitos na Formulação dos Credos

Originalmente os credos foram elaborados para serem úteis à vida da igreja. Eles eram a confissão daquilo que estava no coração dos crentes; serviam para que os crentes se tornassem conhecidos na sociedade como seguidores de Jesus Cristo; e serviam também para conduzir outras pessoas a ele pela influência do seu testemunho.

Mas, poderíamos dizer de forma mais elaborada que:

A. Jesus Sempre quis que os Homens Fizessem uma Confissão Daquilo em que Criam

Sempre houve a necessidade de se confessar aquilo em que se crê (Mt 10.32-33; Rm 10.9-10). Segundo Mt 16.15, Jesus perguntou aos seus discípulos: "Mas vós quem dizeis que eu sou?" Ele queria que os seus discípulos afirmassem sua posição com relação à sua pessoa. Todos nós temos que confessar Jesus, quem ele é, o que ele fez. Talvez a primeira formulação de uma doutrina ou dogma cristão esteja relacionada com a resposta de Pedro: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo." Obviamente, esta confissão de Pedro foi, posteriormente, expandida e melhor articulada.

A confissão é um elemento essencial da fé. Este princípio fundamental não pode ser negado, segundo a ensino do Novo Testamento. Melanchton, uma das mentes mais brilhantes do tempo da Reforma, disse: "Nenhuma fé é firme se não é mostrada em confissão."[1] Não existe uma fé em Cristo que não se expresse em uma formulação doutrinária ou dogmática. "Uma fé sem dogma, sem confissão, está continuamente em perigo de não mais saber o que realmente crê e, portanto, em perigo de cair ao nível de uma mera religiosidade."[2]

B. Na Igreja Apostólica os Crentes Começaram a Orar ao Senhor Exaltado

Este é um fato que não pode ser ignorado. Mas qual é a dificuldade, alguém perguntaria. De forma correta, cria-se que as orações deviam ser dirigidas somente a Deus. Se eles estavam orando a Jesus Cristo, eles teriam que começar a elaborar uma formulação doutrinária que justificasse aquela sua atitude de oração. Logo, a questão do relacionamento entre Deus e Jesus Cristo tinha que ser estabelecida. Não havia outra forma de tratar o problema. Algum tempo mais tarde começaram as formulações credais oriundas das controvérsias sobre a doutrina da trindade e dos problemas cristológicos. Obviamente, as elaborações mais sofisticadas foram posteriores, somente nos séculos IV e V, nos primeiros concílios ecumênicos. Não é de se estranhar, portanto, que os primeiros dogmas a serem formulados na igreja cristã tenham sido o da trindade e o das duas naturezas de Cristo. Também não foi acidente que, logo em seguida, aparecessem problemas de antropologia, com as doutrinas do pecado e da graça sendo esclarecidas na igreja ocidental nas lutas que Agostinho teve com Pelágio.

C. O Aparecimento de Crenças Estranhas Levou à Necessária Formulação dos Credos, para que a Genuína Fé Cristã fosse Distinguida das Heresias que Apareciam

Com freqüência os credos tinham que ser elaborados para explicar melhor a formulação doutrinária já existente na igreja. Em todos os tempos a formulação de doutrinas revelou uma preocupação séria da igreja com algum ponto fundamental da fé. Todas as doutrinas apareceram para explicar problemas de importância fundamental para a vida da igreja, tanto sobre o entendimento como sobre o conteúdo da fé. Era a melhor maneira de educar e catequizar a igreja — que estava em franco crescimento — a respeito das verdades cristãs mais importantes.


VII. Os Credos e Confissões São o Resultado de Uma Experimentação?

Se considerarmos que tais documentos são formulados cientificamente, então temos que admitir que revelam o resultado de uma experimentação. Neles os teólogos trabalham arduamente para chegarem a uma conclusão bem elaborada que reflita a interpretação correta das Escrituras, após analisarem as várias interpretações disponíveis no decurso da história da igreja e na averiguação das interpretações correntes.

Qual deve ser a fonte última de pesquisas para os credos e confissões cristãos? Obviamente, é a Escritura Sagrada. Ela é a fonte básica para a formulação dos credos, assim como a natureza é a fonte básica para as outras formulações científicas. A Escritura deve ser a fonte de toda pesquisa porque ela é uma revelação singular de Deus.

Uma outra questão surge na mente das pessoas: os credos devem ter como fonte única a Escritura, ou a experiência cristã também deve contribuir para a formulação dos mesmos? Wooley diz que a experiência de fato lança luz sobre a Bíblia, mas uma ou a outra deve ter a prioridade. Se a Bíblia é apenas um registro da experiência humana, então a questão está resolvida. A fonte básica é a experiência. Mas se as reivindicações da Bíblia devem ser aceitas, ela é um livro que contém um registro singular, totalmente distintivo, da verdade dada por Deus. Em outras palavras, não há nada mais igual a ela. Se isto é verdade, a Bíblia é a fonte definitiva. Neste ponto, a escolha tem que ser feita. O cristão diz que ela tem que ser feita com a assistência de Deus.[3]

Qual é o significado da Bíblia? O que a Bíblia realmente quer dizer a nós? Os credos e confissões são uma tentativa de responder a estas perguntas de forma sistemática, porque a Bíblia não é um compêndio sistematizado de doutrinas. Quando da formulação de tais documentos, os estudiosos trabalham científicamente para produzir aquilo que crêem ser expressão da verdade de Deus, com base nas informações que possuem. O investigador da Escritura começa por tentar descobrir o que autor humano tinha em mente quando escreveu, o que ele estava tentando dizer. Mas o investigador não pode parar aí se ele crê que a Bíblia é a revelação, ou mesmo um meio de revelação. O investigador também tenta descobrir o que Deus pretendeu que o texto significasse para o leitor de então, e para o leitor de agora.[4]

Wooley diz ainda que os estudiosos da Escritura devem usar outras ferramentas que os ajudem na sua interpretação e que, conseqüentemente, ajudem na formulação dos credos e confissões:

Uma das ferramentas usadas na descoberta do significado da Escritura é a história daquilo que as pessoas pensaram sobre ela. A história usa com um propósito didático a evidência do que aconteceu aos homens no passado. A história de como os homens formularam os credos, por que assim o fizeram, qual a utilidade que os credos têm tido na prática, e qual a sua real utilidade, é de extrema importância na avaliação de nossa situação presente.[5]

Portanto, quando estiverem reafirmando as verdades credais e confessionais, os cristãos deste final de século devem levar em conta a fonte autorizada que é a Escritura e as fontes secundárias de pesquisa, que estão na experiência dos homens verificada na história da igreja.

VIII. São os Credos uma Imposição da Igreja sobre os seus Membros?

Muitos cristãos de hoje não aceitam as formulações doutrinárias estabelecidas pelo simples fato de pensarem que são uma imposição das autoridades da igreja sobre eles.

De fato, dentro da Igreja Católica Romana a ideia de "dogma" tem alguma ligação com imposição. Todos os católicos têm que aceitar as formulações infalíveis da igreja[6], sem qualquer possibilidade de questionamento ou posterior alteração.

Roma reivindica infalibilidade para todos os pronunciamentos do magistério da igreja. Cristo fundou a igreja e ordenou que ela deveria ser a guardiã infalível e intérprete da verdade... Inspirados pelo Espírito de Deus, os concílios da igreja não podem errar. Justiniano I (morto em 565) considerou os ensinos dos quatro concílios ecumênicos da igreja como Palavra de Deus e seus cânones como leis do império. Gregório, o Grande (morto em 604), colocou os decretos dos primeiros quatro concílios em pé de igualdade com os quatro evangelhos. O catolicismo medieval, na plenitude da sua exuberância, elevou os credos acima da Bíblia... Por esta razão, a perspectiva de Roma é que as antigas formulações dos credos contêm verdades reveladas imediatamente por Deus e, assim, são dotadas de autoridade para todas as épocas.[7]

Os protestantes têm uma atitude diferente com relação aos credos e confissões. Embora eles considerem o Credo dos Apóstolos e os decretos dos quatro concílios ecumênicos em consonância com a Escritura, esta última é a única regra de fé e prática para a igreja. Os dogmas e as confissões sempre têm que estar sujeitos à Escritura. Devem ser testados à luz da Escritura e sua interpretação deve estar sempre em consonância com a mesma. Quando isto acontece, então pode-se dizer que as doutrinas dos credos e das confissões são uma expressão de um correto entendimento das Escrituras e devem ser aceitas pela igreja.

Os protestantes sempre reconheceram concílios fiéis e concílios infiéis. Portanto, alguns expressaram-se corretamente e outros não, em matéria de fé. É exatamente esse o pensamento da Confissão de de Westminster.
Todos os sínodos e concílios, desde os tempos dos apóstolos, quer gerais quer particulares, podem errar, e muitos têm errado; eles, portanto, não devem constituir regra de fé e prática, mas podem ser usados como auxílio em uma e outra coisa (Confissão de Fé de Westminster XXXI,3).
Para que os cristãos aceitem os credos e confissões, estes têm que refletir o pensamento da Escritura e têm que ser julgados pela própria Escritura. Se isto acontecer, os credos nunca serão uma imposição da igreja, mas os crentes terão o dever de aceitá-los.



>>> continua


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Notas

[1] Philip Melanchton, Apology of the Augsburg Confession, IV, 385, em Thedore G. Tappert, ed., The Book of Concord (Philadelphia: Fortress Press, 1959), 166.

[2] Bernhard Lohse, A Short History of Christian Doctrine (Philadelphia: Fortress Press, 1989), 10.

[3] Wooley, "What is a Creed For?," 97.

[4] Ibid.

[5] Ibid.

[6] Obviamente, nos dias de hoje nem todos os católicos, sejam eles teólogos ou não, aceitam a infalibilidade dos dogmas como foi crido em tempos passados. Otto Karrer enfatizou que "os dogmas da Igreja Católica Romana devem ser entendidos e apreciados com referência ao período do desenvolvimento dos mesmos. Infalibilidade significa que uma certa explicação é apropriada e livre de erro na sua resposta a certas questões condicionadas historicamente" (Lohse, Short History of Christian Doctrine, 13).

[7] Demarest, "Christendom’s Creeds," 347.