Introdução
É notório que a cosmovisão reformada ao longo de sua história sofreu os
mais absurdos tipos de ataques e acusações falsas. Entretanto, nos últimos
dias, principalmente após a publicação de dois vídeos de um pastor
“pentecostal”(1), surgiu uma que chama à atenção.
Em seus vídeos, ele acusa Calvinistas de serem os primeiros a criticarem
os pentecostais enquanto se calam em relação ao avanço de pautas políticas de
caráter marxista no Brasil, isso porque segundo ele, os Calvinistas são “amiguinhos”
do pessoal da esquerda, principalmente com aqueles vinculados a TMI.
A partir disto, algumas pessoas nas redes sociais tentaram estabelecer
algum tipo de relação entre a teologia reformada (Calvinismo), com uma visão
política de esquerda, inclusive em apoio a Teologia da Missão Integral (TMI).
Embora seja possível que existam cristãos honestos e sinceros dentro da
TMI, de fato, tal movimento passou a ser conhecido como progressista e
marxista, muito em função dos seus membros e principais líderes como o
Ariovaldo Ramos(2), que defende pautas
contrárias a fé cristã como o aborto e chegou a afirmar que o ditador Hugo
Chaves transformou o mundo em um lugar melhor.
O objetivo de tentarem estabelecer esta relação é simples. Eles desejam
denegrir o Calvinismo por meio do seguinte argumento:
A – A TMI é Marxista/ Comunista e contrária a fé
cristã.
A1 – Calvinistas apoiam a TMI.
Conclusão – Deve se rejeitar o Calvinismo pois este apoia a
TMI que é marxista/ comunista.
Ou seja, para eles, calvinistas, são de esquerda por apoiar a TMI, logo
os ensinos dos Calvinistas e as críticas deles ao pentecostalismo devem ser
rejeitadas.
Observe que o objetivo deles, não é mostrar os problemas da TMI, mas sim
fazer um ataque aos Calvinistas.
Mas seria isso verdade? Reformados são “amiguinhos” da TMI? A TMI é
formada basicamente por “reformados”? Veremos ao longo deste texto que a
resposta para estas perguntas é um grande NÃO.
Para isto, este artigo possuíra as seguintes seções:
1 – A Ética
econômica em João Calvino
2 – A Posição Oficial da IPB contrária ao
Comunismo/ Marxismo.
3 – Reformados se levantando contra a TMI e
produzindo materiais contrários ao Comunismo/ Marxismo e a TMI.
4 – Uma consideração da atuação da TMI em diversas
igrejas.
1 – A Ética econômica em João Calvino
Calvino já foi acusado injustamente de muitas coisas, mas poucas seriam
tão absurdas como a ideia de que seus ensinos dão margem para o Comunismo. Na
verdade, o que vemos nos ensinos de Calvino sobre economia, é justamente o
contrário.
Peyrefitte (1999), por exemplo, argumenta que Calvino foi um dos
primeiros teólogos a defender que a bíblia não proíbe o direito de usura,
embora como aponta Matos (2004), ele fosse contrário aos juros abusivos,
insistindo que os empréstimos aos pobres fossem isentos de qualquer encargo.
Assim, de acordo com De Castro (2009), Calvino condenava a usura quando os
empréstimos eram praticados para socorrer os necessitados, mas legítimos quando
o fossem empregados para a produção de bens.
Peyrefitte ainda afirma que a
ética calvinista promove a comunicação, a troca e o desenvolvimento das
capacidades, o que gera uma aceleração na atividade econômica. Deslocando a
mentalidade da divisão de riquezas para, ao invés disso, a sua criação.
Biéler (1990; apud Matos 2004), inclusive afirma que “Calvino
e o calvinismo de origem contribuíram, certamente, para tornar muito mais
fáceis, no seio das populações reformadas, o desenvolvimento da vida econômica
e o surto do capitalismo nascente”.
Como podemos observar os ensinos de Calvino
sobre economia, em nada se parecem com aqueles apregoados pelo Marxismo, ou
Comunismo.
Obviamente que Calvino também não é o
idealizador do Capitalismo secularizado que se vê atualmente, pois como aponta
Matos (2004), a ética econômica calvinista está debaixo do princípio de que “Deus
é o Senhor de toda a vida, inclusive da atividade econômica, e, portanto, esta
atividade deve refletir uma ética baseada na justiça, compaixão e solidariedade
social”
Não só os aspectos econômicos
diferenciam os ensinos de Calvino em relação ao Marxismo/ Comunismo. A sua
visão acerca das Autoridades Civis também é totalmente antagônica.
Skinner (1996; apud Gomes 2002)
e Silvestre (2002), por exemplo, apresentam que Calvino abordou os limites da
submissão e a resistências as Autoridades. Gomes (2002), ainda aponta que para
Calvino à autoridade que deve ser obedecida é aquela que permanece fiel a Deus
e a sua palavra e isto para Skinner contribui para o florescimento da
democracia na Europa Ocidental. Nada poderia ser mais oposto ao Comunismo do
que isso.
Claramente podemos ver que os ensinos de Calvino não podem se associar
ao Marxismo/ Comunismo. Mas talvez, alguém possa objetar, “Calvino
defendeu isto, mas seus seguidores no Brasil não”. Portanto, no próximo
ponto iremos avaliar essa possível objeção.
2 – A Posição Oficial da IPB contrária ao Comunismo/ Marxismo.
A melhor instituição que representa o
Calvinismo no Brasil é a IPB, ela é confessional aos Padrões de Westminster (3) e reconhecidamente envida grandes esforços
para difundir a teologia reformada pelas terras tupiniquins.
Tendo isto em vista, a IPB é um ótimo
parâmetro para entender como os brasileiros que seguem a teologia reformada
enxergam o comunismo/ marxismo.
Então, o que a IPB pensa sobre o
assunto?
Curiosamente, conforme Marques (2015),
mostrou em sua pesquisa, a Igreja Presbiteriana do Brasil historicamente se
manifestou contrária ao Comunismo/ Marxismo, e isso pode ser observado a partir
de documentos oficiais da Igreja, como por exemplo, a SC – 54- 138, aonde a IPB
afirmou que “há
incompatibilidade entre o comunismo ateu e materialista e a doutrina bíblica e
os símbolos de fé da IPB”.
Ou então em 1956, quando a CE-56-096 afirmou
que “...em
referência à atitude cristã quanto ao comunismo, persistimos em pregar a
realidade do poder transformador do evangelho de Cristo, crendo que o comunismo é uma filosofia de vida contrária ao espírito e à doutrina
evangélica”.
Marques (2015), ainda
cita que a IPB através de seu supremo concílio em 1966 se posicionou afirmando
que não podem ser aceitos como oficiais e ministros aqueles que defendam
ideologias contrárias fé cristã como o comunismo, como pode ser constatado na
SC – 66 - 074:
““SC-66-074 - Pbt. de Castro - Consulta
- Doc. XXXIV- Quanto ao Doc. 26 Consulta do PCST sobre atitudes do Presbitério quando tiver obreiro comunista, o SC
resolve: 1) Reafirmar ser indispensável a qualquer
pessoa que deseja filiar-se à IPB, em especial aos seus oficiais e
ministros, a aceitação da Palavra de Deus como única regra de fé e prática, e
seus símbolos de fé. Quando qualquer
prova se possa fazer contra membro ou membros da IPB de que já não mais aceitam
a Palavra de Deus e seus símbolos de fé, por adotarem uma filosofia em choque com os
princípios cristãos, no todo ou em parte, a mesma prova deve ser apresentada ao
Conselho competente para os devidos fins;..”
Como qualquer pessoa
pode observar, a principal instituição reformada no Brasil se posiciona
abertamente contrária ao comunismo/ marxismo, coisas que poucas igrejas assim o
fizeram.
Mas
ainda assim, alguém pode objetar algo do tipo: “isso é na teoria,
mas na prática os reformados brasileiros apoiam a TMI.” Mas seria isso verdade? É o
que vamos analisar a seguir.
3 – Reformados se levantando contra a TMI e produzindo materiais contrários ao Comunismo/ Marxismo e a TMI.
Como
comentado na introdução, a TMI possuí diversos problemas relacionadas a
influência marxista dentro deste movimento. E os Calvinistas foram acusados de
serem omissos em criticar a TMI por ser “amiguinho” deles. Mas seria isso
verdade? Calvinistas não criticam a TMI?
Qualquer
pessoa que já buscou na internet críticas a TMI, sabe que isso é uma grande
mentira, pois as principais críticas bem fundamentadas direcionadas a TMI foram
realizadas por reformados ou aqueles que acreditam na TULIP.
Por
exemplo, o Ver. Nicodemus (presbiteriano) em 2014, levou em seu programa Academia
em Debate, que era vinculado ao Centro de Pós – Graduação Andrew Jumper (que é
reformado), os professores e filósofos Jonas Madureira (batista que crê na
TULIP) e Filipe Fontes (presbiteriano). Lá teceram diversas críticas a TMI (o
link para assistir ao programa está logo abaixo):
Academia em Debate - Teologia da Missão Integral
O
Professor Fontes, também já deu aulas criticando a TMI (como pode ser assistido
através do link abaixo):
O
próprio Nicodemus fez em 2015, no canal “Perguntar não Ofende”, críticas a
TMI:
E não é algo recente as críticas de quem segue a soteriologia calvinista à TMI, por exemplo Norma Braga em 2010, já tecia críticas a TMI, como pode ser observada abaixo:
Cristãos conservadores do Brasil, uni-vos!
Diversos outros conteúdos foram produzidos por pessoas que defendem a soteriologia reformada, entre os quais podemos recomendar e citar:
Sobre a minha crítica ao Progressismo Evangélico: Perguntas, Balanço Preliminar e Roteiro de Leituras
Teologia da Missão Integral e Teologia da Libertação: de onde saíram?
A árvore da missão integral apodreceu
Uma rápida nota sobre Missão Integral
A
partir deste momento, fica claro que, Calvinistas não somente são
historicamente contra pautas marxistas, mas atualmente também o são, inclusive
produzindo bons conteúdos críticos a TMI.
Mas ainda assim, alguém poderia tentar produzir uma
última objeção, que seria a seguinte: “ Ok, de fato os ensinos de Calvino não dão margem
para defesa de pautas marxistas, a IPB se posicionou contrária ao Comunismo, e
Reformados vem produzindo conteúdos criticando a TMI, mas mesmo assim, ainda há
muitos reformados dentro da TMI o que mostra um tipo de relacionamento entre
reformados e as Pautas de esquerda”
E esta última possível objeção será tratada no
próximo ponto.
4 – Uma consideração da atuação da TMI em diversas igrejas.
A verdade é que infelizmente a TMI ganhou bastante
espaço, em igrejas presbiterianas bem como em Assembleias de Deus, igrejas
batistas entre outras.
Em uma rápida passagem pelo canal no Youtube do
Missão na Integra é possível perceber isso e ver o envolvimento das mais
diversas correntes teológicas com a TMI.
De fato, é possível que existam pessoas que se auto
declarem reformadas e participem da TMI, mas também existem pessoas de igrejas
pentecostais, Batistas, e etc. Acaso, todas essas correntes teológicas seriam
defensoras da Missão Integral porque existem adeptos delas que têm vínculo com
a TMI? Mas é claro que não, isso seria um absurdo.
E é este absurdo, quando tentam empurrar a TMI como
algo relacionado aos Calvinistas, quando são estes na verdade que vem tecendo
críticas a tal movimento.
Conclusão
Como demonstrado ao longo deste texto, Calvinistas tem se levantado contra as pautas contrárias a fé cristã, inclusive tecendo críticas ao progressismo e marxismo dentro da TMI. As acusações levantadas não são verdadeiras. Os ensinos de Calvino, a posição histórica da IPB e a atuação de representantes do Calvinismo no Brasil atestam isso. Embora possam existir membros de igrejas reformadas vinculadas a TMI, isso não é algo exclusivo deles, Assembleias de Deus e Batistas também, nem por isso seria correto relacionar o pentecostalismo ou o credo batismo com a TMI ou com pautas marxistas.
NOTAS:
1 – O pastor “pentecostal” em questão é o Silas Malafaia, os vídeos citados podem ser acessados abaixo:
2 – Ariovaldo Ramos, em seu blog pessoal (link) abaixo, lamentando a morte de Hugo Cháves, afirmou que ele transformou o mundo em um lugar melhor.
Sua posição pro – aborto, pode ser atestada através do Canal mídia ninja, aonde o referido pastor é colunista.
3 – Os padrões de Westminster são representados pela Confissão de Fé de Westminster, Breve Catecismo e o Catecismo Maior. É importante ressaltar que os Padrões de Westminster também são antagônicos a visão econômica comunista. Isso é observável através de uma comparação do Catecismo maior nas perguntas de Nºs 141 e 142, que abordam o 8º mandamento (Não furtarás) e o Manifesto Comunista de Marx.No Catecismo é afirmado que é um dever a fidelidade e a justiça nos contratos e no comércio entre os homens e que é proibido a remoção de marcos de propriedade, a injustiça e a infidelidade em contratos entre os homens ou em questões de confiabilidade; a opressão, a extorsão e o cerco injusto de propriedades e a desapropriação. Marx, por sua vez, defende a tomada de medidas como a Expropriação da propriedade territorial e emprego da renda e proveito do Estado, Abolição do direito de herança, Confisco da propriedade de todos os emigrantes e sediciosos. Ou seja, a visão Comunista claramente viola o 8º mandamento, portanto, sendo contrária aos Padrões de Westminster.
Referências:
BIÉLER, André. O
pensamento econômico e social de Calvino. Casa Editora Presbiteriana, 1990.
DE ARAÚJO GOMES, Antônio Máspoli. O pensamento de João
Calvino e a ética protestante de Max Weber, aproximações e contrastes. Fides reformata, v. 7, n. 2, p.
9-32, 2002.
DE CASTRO, Mauricio et al. O empréstimo a juros no pensamento
econômico de João Calvino. Revista
Ciências da Religião-História e Sociedade, v. 6, n. 2, 2009.
MARQUES, Edson. A Posição da IPB sobre o Comunismo.
Disponível em:
http://bereianos.blogspot.com.br/2015/11/a-posicao-da-ipb-sobre-o-comunismo.html
MATOS, Alderi Souza. Calvinismo e Capitalismo: Qual é Mesmo a
Sua Relação?. Disponível em:
PEYREFITTE, Alain. A
sociedade de confiança: ensaios sobre as origens e a natureza do desenvolvimento.
Topbooks, 1999.
SILVESTRE, Armando Araújo. O direito de resistir ao Estado no
pensamento de João Calvino. 2001.
SKINNER, QUENTIN; SKINNER, Quentin. As fundações do
pensamento político moderno. 1978.