quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Purgatório Protestante??* (por Arthur W. Pink)

Bookmark and Share Bookmark and Share

A teoria de que o castigo dos perversos é disciplinar e corretivo


Existem aqueles que admitem que os ímpios serão lançados no inferno, mas que insistem que o castigo é corretivo e não retributivo. Inventou-se uma espécie de purgatório protestante, cujo fogo serve para purificar em vez de punir. Uma ideia dessas desonra grandemente a Deus. Alguns dos que sustentam essa ideia dizem querer honrar a Cristo, mas na verdade O desonram absurdamente. Se os homens que morreram rejeitando o Salvador depois haverão de ser salvos, se o fogo do inferno tem como objetivo fazer aquilo que o sangue da cruz não pôde fazer, então por que foi necessário o divino sacrifício — todos poderiam ser salvos pelos sofrimentos disciplinares do inferno, e assim Deus poderia ter poupado o Seu Filho. Além do mais, se Deus Se compadece tanto de Seus inimigos e não deseja senão um final feliz de infinita compaixão para aqueles que desprezaram e rejeitaram Seu Filho, perguntamos: Por que, então, Ele toma providências tão terríveis para com eles? Se eles não precisam de outra coisa senão de disciplina amorosa, não poderia a sabedoria divina inventar alguma medida mais gentil do que entregá-los ao "tormento" do lago de fogo pelos "séculos dos séculos"? Essa é uma dificuldade insuperável no caminho dos que defendem a teoria que estamos refutando.

Mas uma vez que percebemos que o lago de fogo é o lugar do castigo, e não da disciplina, e que é a ira de Deus e não o Seu amor que lança ali os réprobos, desaparece toda e qualquer dificuldade sobre o assunto.

Por mais inconsistente que possa ser, há aqueles que argumentam que o fogo do inferno deve a sua eficácia disciplinar ao sangue de Cristo. Esses inimigos da verdade receberam uma boa resposta de Sir Robert Anderson: "Essa punição, ... precisa ser a penalidade devida aos seus pecados; de outra maneira seria injusto aplicá-la. Se, então, os perdidos haverão de se salvar por fim, isso tem de acontecer ou porque eles cumpriram a penalidade; ou por meio da redenção (ou seja, porque Cristo sofreu essa penalidade por eles). Mas se os pecadores podem salvar-se por satisfazer a justiça divina cumprindo a penalidade que o pecado merece, então Cristo não precisava ter morrido. Se, por outro lado, os remidos pudessem ser condenados, embora destinados à vida eterna em Cristo, para que eles mesmos sofressem a penalidade do pecado, seriam destruídos os fundamentos da nossa fé. Não são — eu repito — as consequências normais e disciplinares do pecado que se seguem ao julgamento, mas sim as consequências penais, referentes ao castigo do pecado. Dessa forma, podemos entender como pode o pecador escapar da maldição que lhe é destinada por meio do pagamento vicário do seu débito, ou podemos (pelo menos em teoria) admitir que ele pode ser liberado pagando pessoalmente "até o último centavo". Mas levar o pecador a pagar o que deve, e depois libertá-lo porque alguém pagou tudo antes que ele terminasse de fazê-lo por completo — isso é totalmente incompatível tanto com a justiça como com a graça" (Human Destiny).

Além do mais, se for verdade que os condenados no lago de fogo continuam sendo objeto da benevolência divina; que, como criaturas da Sua mão, o Senhor continua velando por eles com a mais benigna consideração, e o fogo inextinguível nada mais é do que uma vara na mão de um Pai sábio e amoroso, perguntamos: Como é que isso pode se harmonizar com a maneira constante com que as Escrituras falam dos descrentes? Deus não nos deixou sem saber como Ele haverá de julgar aqueles que aberta e persistentemente O desafiaram. Repetidas vezes a Bíblia nos informa o solene fato que Deus vê os perversos como estorvos, que Lhe causam repulsa. Eles são comparados a "lixo", e não a ouro (Sl 119.119); são "palha" sem valor (Mt 3.12); são "víboras" (Mt 12.34); são "vasos de desonra" e "vasos de ira" (Rm 9.21,22); eles serão postos debaixo dos Seus pés (1 Co 15.27), são como "árvores em plena estação dos frutos, destes desprovidas, duplamente mortas, desarraigadas" (Jd 12) e por essa razão não estão preparadas senão para o fogo; como aqueles que serão vomitados da boca do Senhor (Ap 3.16), ou seja, como objetos de repugnância. Algumas dessas passagens descrevem os réprobos judeus; outras, pecadores de entre os gentios; algumas referem-se àqueles que viveram em dispensações passadas; outros pertencem à presente; algumas falam de homens que se encontram deste lado do túmulo, outras falam daqueles que já passaram para o outro lado. Um dos objetivos de chamar-lhes a atenção é mostrar como Deus julga os Seus inimigos. O que se pode avaliar das passagens acima (e poderíamos com facilidade citar muitas outras) não se harmoniza com a visão de que Deus os contempla com amor e que nutre por eles somente os mais ternos afetos. 

Podemos comentar uma outra classe de passagens bíblicas a esse respeito. "Porque levantarei a minha mão aos céus e direi: Eu vivo para sempre. Se eu afiar a minha espada reluzente e travar do juízo a minha mão, farei tornar a vingança sobre os meus adversários e recompensarei os meus aborrecedores. Embriagarei as minhas setas de sangue, e a minha espada comerá carne; do sangue dos mortos e dos prisioneiros, desde a cabeça, haverá vinganças do inimigo" (Dt 32.40-42). Será que isso se enquadra na teoria de que Deus nada tem além de compaixão para com aqueles que O desprezaram e O desafiaram? "Mas, porque clamei, e vós recusastes; porque estendi a minha mão, e não houve quem desse atenção; antes, rejeitastes todo o meu conselho e não quisestes a minha repreensão; também eu me rirei na vossa perdição e zombarei, vindo o vosso temor, vindo como assolação o vosso temor, e vindo a vossa perdição como tormenta, sobrevindo-vos aperto e angústia. Então, a mim clamarão, mas eu não responderei; de madrugada me buscarão, mas não me acharão" (Pv 1.24-28). Será essa a linguagem de Alguém que continua com propósitos de misericórdia para com os Seus inimigos?

"Eu sozinho pisei no lagar, e dos povos ninguém se achava comigo; e os pisei na minha ira e os esmaguei no meu furor; e o seu sangue salpicou as minhas vestes, e manchei toda a minha vestidura" (Is 63.3). Pese isso com cuidado, e então pergunte se um tratamento assim se dá àqueles sobre quem o Senhor nutre nada além de compaixão.

Se alguém dissesse que todas essas passagens são do Antigo Testamento, bastaria dizer que são, de fato. Mas quem está falando ali é o mesmo Deus que Se revela no Novo Testamento. Mas considere também um versículo do Novo Testamento. O Cristo de Deus dirá aos homens: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno" (Mt 25.41).

Será possível imaginar que o Filho de Deus pronunciaria essa terrível maldição sobre aqueles que foram designados meramente para um tempo de castigo disciplinar, após o qual eles estarão para sempre com Ele em perfeita bem-aventurança?! 


A total falta de esperança dos perdidos

(...) primeiro, o julgamento dos perversos é certo; segundo, a morte sela a maldição deles; terceiro, ao morrer, a alma dos incrédulos vai para o Hades, para o compartimento do mundo invisível reservado para os perdidos, para ali ser atormentada na chama de fogo. Ali eles permanecem até o julgamento, quando serão ressuscitados e trazidos diante do grande trono branco para receber a sua sentença final.

(...) depois que os perversos são retirados do Hades, mesmo então não há nenhuma esperança quanto à sua salvação.

A primeira referência bíblica a que apelamos como prova disso é João 5.28,29 (RC): "todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o mal, para a ressurreição da condenação".
Esse é o solene anúncio do Filho de Deus. Pesemos bem as Suas palavras. Aqui Ele nos diz de forma breve aquilo que aguarda a totalidade dos mortos. Eles estão divididos em duas classes: aqueles que praticaram o bem, e aqueles que praticaram o mal. Para os primeiros, haverá a "ressurreição da vida"; para os outros, a "ressurreição da condenação". Para aqueles que praticaram o mal não haverá ressurreição para um período de prova, e para eles não haverá, depois, uma ressurreição para salvação; mas simplesmente e somente a ressurreição da condenação. Isso remove o próprio fundamento em que alguém possa querer construir a futura esperança para os perversos!

Em 1 Tessalonicenses 4.13, lemos o seguinte: "Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais, que não têm esperança". Aqui o apóstolo traça um contraste entre o cristão que sente pesar pela morte de crentes queridos, e o pagão que lamenta a perda dos seus queridos. O cristão pode entristecer-se com a partida de um parente ou amigo salvo, mas ele pode confortar-se com a bendita esperança que encontra nas Escrituras, a esperança de serem reunidos na vinda do Senhor. Essa esperança não têm o pagão e o não-salvo na cristandade, os quais lamentam a perda dos amigos não-salvos. Sim, eles "não têm esperança". Isso não se atenua de forma alguma pelo fato de que em Efésios 2.12,13 nós lemos a respeito daqueles que estavam "sem esperança" e que no entanto "foram aproximados pelo sangue de Cristo". O texto de Efésios fala daqueles que estavam vivos no mundo, e enquanto se está aqui existe sempre uma esperança de que possam ser salvos; embora enquanto permanecem sem serem salvos eles estão "sem esperança", isto
é, sem nenhuma esperança garantida pelas Escrituras. Mas a passagem de Tessalonicenses fala daqueles que saíram deste mundo sem serem salvos, e para eles "não há esperança".
Quaisquer que sejam as vãs esperanças que os perversos possam agora cultivar com respeito ao futuro, a "expectação dos perversos perecerá" por completo (Provérbios 10.28)!

Uma outra referência que prova a situação sem esperança daqueles que rejeitaram a verdade de Deus encontra-se em Hebreus 10.26-29: "Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários. Sem misericórdia morre pelo depoimento de duas ou três testemunhas quem tiver rejeitado a lei de Moisés. De quanto mais severo castigo julgais vós será considerado digno aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça?" Para nosso presente propósito não precisamos parar para considerar de quem essa passagem fala de modo específico. É suficiente saber que ela trata daqueles que deliberadamente resistiram à luz. A respeito desses somos informados que "já não resta sacrifício pelos pecados". Se já não resta sacrifício pelos pecados, então eles mesmos têm de sofrer a penalidade divina por eles. Essa mesma passagem nos informa o que é essa penalidade; é "fogo vingador" que haverá de devorá-los. É um juízo "sem misericórdia". É um "castigo" mais severo do que aquele que sobreveio a quem não fez caso da lei de Moisés.

"Porque o juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia. A misericórdia triunfa sobre o juízo" (Tiago 2.13). É verdade que o apóstolo está escrevendo, aqui, a santos, mas neste verso que citamos há uma notável mudança na linguagem dele, e aqui ele obviamente está falando dos não-salvos. No verso anterior, ele havia dito "Vós" (RC), mas agora ele muda para "aquele". Aquele que não usou de misericórdia (para com seu semelhante) será julgado "sem misericórdia" por Deus; e isso, a despeito do fato de que "a misericórdia triunfa sobre o juízo". A última cláusula aparece claramente com o propósito de injetar solenidade ao que se diz antes.
Juízo "sem misericórdia" é linguagem que nos lembra Isaías 27.11, onde lemos o seguinte:
"este povo não é povo de entendimento; por isso, aquele que o fez não se compadecerá dele e aquele que o formou não lhe mostrará nenhum favor" (RC). Se esse juízo, então, é "sem misericórdia", ele fecha a porta a toda possibilidade de alguma suavização final, ou mesmo uma modificação dessa terrível sentença! E como isso expõe a inconsistência da esperança cultivada por muitos, qual seja, que no último grande Dia eles pensam em lançar-se na misericórdia dAquele a quem agora desprezam e desafiam! Será vão clamar misericórdia naquela ocasião. Desde a antiguidade Deus diz a Israel: "Pelo que também eu os tratarei com furor; os meus olhos não pouparão, nem terei piedade. Ainda que me gritem aos ouvidos em alta voz, nem assim os ouvirei" (Ezequiel 8.18). Assim será no juízo final.

Podemos considerar também uma outra referência bíblica associada a esse assunto:
"ondas bravias do mar, que espumam as suas próprias sujidades; estrelas errantes, para as quais tem sido guardada a negridão das trevas, para sempre" (Jd 13). Isso é terrivelmente solene. Este versículo refere-se à futura porção daqueles que agora "transformam em libertinagem a graça de nosso Deus" e "negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo" (Jd 4). Para eles está reservada "a negridão das trevas, para sempre". A infinita noite da sua maldição jamais será abrandada por uma simples estrela de esperança. Dessa forma procuramos demonstrar que a Palavra de Deus, por meio de uma variedade de expressões, cada qual convincente e sem ambiguidade, revela a total falta de esperança daqueles que participarem da "ressurreição da condenação"



Excertos extraídos de:
http://www.monergismo.net.br/textos/livros/castigo-eterno_awpink.pdf


*O título do artigo original (e muito mais amplo) é "Castigo Eterno", mas dei este título aos excertos devido ao conteúdo dos mesmos.