terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O dono da vinha e os direitos trabalhistas

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Parábola dos Trabalhadores na Vinha. 1637. Por Rembrandt, 
no Museu Hermitage, em São Petersburgo, na Rússia.

Porque o reino dos céus é semelhante a um homem, pai de família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para a sua vinha. E, ajustando com os trabalhadores a um dinheiro por dia, mandou-os para a sua vinha.E, saindo perto da hora terceira, viu outros que estavam ociosos na praça, E disse-lhes: Ide vós também para a vinha, e dar-vos-ei o que for justo. E eles foram.
Saindo outra vez, perto da hora sexta e nona, fez o mesmo.
E, saindo perto da hora undécima, encontrou outros que estavam ociosos, e perguntou- lhes: Por que estais ociosos todo o dia?Disseram-lhe eles: Porque ninguém nos assalariou. Diz-lhes ele: Ide vós também para a vinha, e recebereis o que for justo.
E, aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha ao seu mordomo: Chama os trabalhadores, e paga-lhes o jornal, começando pelos derradeiros, até aos primeiros.
E, chegando os que tinham ido perto da hora undécima, receberam um dinheiro cada um.Vindo, porém, os primeiros, cuidaram que haviam de receber mais; mas do mesmo modo receberam um dinheiro cada um. E, recebendo-o, murmuravam contra o pai de família,Dizendo: Estes derradeiros trabalharam só uma hora, e tu os igualaste conosco, que suportamos a fadiga e a calma do dia.Mas ele, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro?Toma o que é teu, e retira-te; eu quero dar a este derradeiro tanto como a ti.Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?Assim os derradeiros serão primeiros, e os primeiros derradeiros; porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos.

(Mateus 20:1-16)


A chamada "Parábola dos Trabalhadores na Vinha" é uma história bastante conhecida nas Escrituras, familiar aos cristãos e a boa parte dos que já tiveram algum contato com o cristianismo.

Jesus se utilizava de parábolas para trazer alguns conceitos a seus ouvintes, gerando uma reflexão sobre princípios aplicados em situações corriqueiras, e que desde então e até o fim dos tempos são aplicáveis a quem dá ouvidos.

Há muitas coisas que podem ser aprendidas e apreendidas dessa parábola. Podemos por exemplo considerar que, em termos de Salvação, aqueles que são resgatados no fim de suas vidas (como por exemplo o "ladrão da cruz" [Lucas 23:32-43]) recebem graciosamente o mesmo privilégio do Reino dos céus que aquele que viveu uma vida religiosa desde sua infância.
Também podemos considerar que Jesus 'deu uma dica' sobre a inserção dos gentios no meio do povo de Deus. Podemos entender que os judeus foram privilegiados ao receberem a revelação da Palavra de Deus de forma incomparável e ao serem comissionados a refletirem sua devoção a Ele como uma nação separada regida por Suas leis, mas que pela desobediência e infidelidade rejeitaram o Messias e assistiriam gentios sendo chamados ao Reino de Deus e sendo considerados filhos de Deus em seu lugar (João 4:22-23, Romanos 11).
Mas nesta simples publicação quero ressaltar alguns detalhes no texto, que nos iluminam a respeito de princípios que não são o foco no texto em si.

Essa simples análise não exaure o que pode ser dito sobre o assunto, nem sequer "passa da superfície", mas creio que quando nos atentamos para cada palavra presente nos ensinos bíblicos podemos confirmar aquilo que em outras partes aparece de forma explícita ou implícita.

Por exemplo, qualquer pessoa que tenha conhecimento sobre os 10 Mandamentos e faça uma interpretação coerente, poderá identificar que ao ordenar "Não roubarás", Deus não deu apenas uma ordem arbitrária sem sentido mas sim um mandamento necessário para a coexistência humana.
Ao determinar que ninguém deve roubar o seu próximo, automaticamente deve ser reconhecido o direito natural à propriedade. A proibição ao roubo é portanto uma proibição à privação desse direito, pois sem o direito à posse qualquer outra pessoa poderia alegar que aquilo que deseja é seu por direito sem ter feito qualquer coisa para conquistá-la nem ter recebido de alguém.
Outros textos bíblicos vão reforçar o ensino do Mandamento, seja confirmando a legalidade da posse, seja relatando a imoralidade da perda forçada dessa posse.

Na parábola temos um dono de uma vinha. Um pai de família, proprietário de uma vinha. Mas mais que isso, esse homem se apresenta na história como um empregador.
Lemos que, ao identificar alguns "desocupados", o pai de família os convida a trabalharem nas suas terras, e lhes oferece pagar "um dinheiro (denário) pelo dia". E assim o faz, em horários diferentes do dia, convidando grupos de homens ociosos a trabalharem em troca de um salário justo.

Ao aceitar a proposta, um desses homens estaria então concordando em trocar seu serviço por um pagamento monetário, equivalente ao que trabalhador geralmente recebia por um dia de trabalho.

Mesmo que as parábolas não possam ser entendidas como uma descrição plena da realidade, elas se utilizam de elementos conhecidos pelos ouvintes, e portanto vale a pena atentar para alguns detalhes interessantes...

- O único pagamento combinado foi diário
Não havia portanto uma obrigação do empregador em manter os empregados mais dias trabalhando. Além do salário prometido o proprietário não assegurou a eles algum tipo de "seguro-desemprego", multa de rescisão, fundos de garantia,  depósitos para aposentadoria ou qualquer coisa semelhante a isso. Eles receberam tão somente o salário justo correspondente àquele dia de trabalho.
Essa modalidade de pagamento (diário) era bastante comum no passado e ainda existe em algumas atividades específicas.

- O acordo trabalhista foi informal
Não há nesse caso qualquer formalização no acordo entre o dono da vinha e cada trabalhador. Não havia sequer um contrato escrito.
Obs.: Claro que a garantia de um contrato formal traria mais segurança em uma situação envolvendo mais tempo de trabalho, mas nesse caso a própria palavra do empregador serviu como base (sendo que esse empregador corresponde a Deus, no paralelismo feito com o Reino dos céus).

- Não havia intermediários na relação trabalhista
Não há um "sindicato dos ociosos" negociando valores, fazendo exigências ao patrão, nem cobrando taxas dos empregados. O acordo se resumiu ao que pareceu justo a ambas as partes (empregador e empregados).

- Foi o proprietário que estipulou as regras
Sendo dono da vinha, o pai de família ainda teve a iniciativa de ir até os ociosos para lhes dar trabalho, mas fica claro que enquanto dono da vinha e do dinheiro com o qual pagaria os empregados, ele tinha o direito de estipular se cada funcionário deveria receber proporcionalmente ao tempo investido ou se todos deveriam receber a mesma quantia independentemente do quanto tenham trabalhado.
Aqui alguém poderia alegar que 1) houve injustiça em pagar a mesma quantia a quem trabalhou menos (a queixa existente na própria parábola)  ou que 2) o pagamento igualitário é uma prova de que Deus detesta a meritocracia.

Como a parábola já traz a resposta para a primeira alegação, vamos considerar a segunda...

Amigo, não te faço agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro?
Toma o que é teu, e retira-te; eu quero dar a este derradeiro tanto como a ti.

Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? 

A resposta do dono da vinha (representando o próprio Deus) não é que ele trata todos de igual forma, nem que não se importa com a forma ou com o volume de trabalho e muito menos que todos merecem receber o mesmo simplesmente porque é direito deles. O ponto crucial para confirmação da justiça está unicamente no cumprimento do que foi acordado entre as partes, sendo que a definição do salário feita previamente se deu unicamente pelo direito do empregador em estipular o quanto pagar.

Ou seja, sendo ele o dono do dinheiro e tendo feito uma proposta justa aos ociosos (que eles aceitaram), seu dever era cumprir o que prometeu, e nada além disso.

Por outro lado, ele se mostrou generoso concedendo um salário integral (de um dia) aos que trabalharam menos, demonstrando que tem também esse direito como dono do dinheiro. Não existia (e não existe) portanto a obrigação do empregador em pagar apenas o equivalente proporcional ao tempo ou tipo de trabalho prestado por seu empregado, a regra continua sendo a mesma: se o dinheiro é dele, ele pode distribuí-lo como quiser, desde que cumpra o mínimo prometido. Esse é o princípio inegável, tendo sido dito pelo próprio Cristo, que não pode ser derrubado de forma moralmente legítima sob qualquer contexto.

E uma curiosidade interessante é que o empregador da história é chamado de "pai de família" (ou chefe de família), e como eu já mencionei, ele representa Deus na parábola em relação ao Reino dos céus.
Em tempos onde tanto se "demoniza" os empreendedores, olhando de volta pras Escrituras percebemos que essa generalização é mais do que burra. O empreendedor é apresentado nessa parábola como um homem justo, bom e generoso. Um homem comum, com uma família a sustentar, e que concede a homens ociosos a oportunidade de trabalharem.

CONCLUSÃO
Por mais que os ensinos cruciais dessa parábola tenham aplicação espiritual, e que a atitude do dono da vinha sirvam para refletir a Graça de Deus na salvação que não se baseia na qualidade ou na quantidade de obras, os elementos presentes na história referentes á relação trabalhista podem servir tanto para que empregadores obtenham uma visão mais generosa quanto ao tratamento a seus funcionários, quanto para que empregados reconheçam que não devem cobrar (exigir) dos empregadores algo além do que foi combinado como se fosse um direito natural deles.
Além disso, por mais que o relato da parábola não fuja de um contexto onde há leis e inclusive autoridades vigentes (o "dinheiro" ou "denário" mencionado se refere a uma moeda Romana equivalente ao salário diário), a presença de instituições intermediando preventivamente a relação trabalhista não se mostra obrigatória. Na verdade, a flexibilidade do acordo trabalhista é reforçada pela fala do dono da vinha, que é dono do dinheiro ("ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu?").

Essa parábola sozinha não deve servir como O parâmetro para se chegar a uma conclusão sobre o tema, mas, juntamente com todos os princípios trazidos nas Escrituras e reforçados inclusive na legislação civil dada por Deus aos judeus na Antiguidade, pode ser entendida como mais uma prova vinda do próprio Deus-Homem.

Obs.: Se você discorda da interpretação ou de qualquer informação apresentada neste texto, entre em contato e eu posso revisar se concordar com a correção.