OS CÂNONES DE DORT (1619)
Alderi Souza de Matos
A produção confessional reformada do século 16 atingiu o seu ponto culminante em 1563, com a publicação do Catecismo de Heidelberg. Todavia, alguns dos documentos doutrinários mais significativos da tradição calvinista somente seriam elaborados no século seguinte, a começar com os Cânones do Sínodo de Dort, na Holanda. A fé reformada teve grande aceitação nos Países Baixos a partir da década de 1550. Na mesma época em que os holandeses lutavam contra a Espanha por sua independência, surgiu a Igreja Reformada Holandesa (1571), que não tinha uma identidade teológica claramente definida. Foi nesse contexto que, alguns anos mais tarde, surgiu a controvérsia arminiana. A partir de 1588, Jacob Armínio (1560-1609), um pastor que havia estudado com Teodoro Beza em Genebra, começou a questionar a doutrina calvinista da predestinação. Mesmo assim, em 1602 ele se tornou professor de teologia na Universidade de Leyden, onde enfrentou a forte oposição de seu colega Francisco Gomaro.
A controvérsia dividiu a nação e se prolongou até 1609, quando Armínio morreu vitimado pela tuberculose. No ano seguinte, seus simpatizantes publicaram a “Remonstrância”, um documento no qual resumiram em cinco pontos a sua rejeição do calvinismo clássico. Com o reinício dos tumultos, o Parlamento convocou um sínodo para resolver a controvérsia. O Sínodo de Dort teve 180 sessões que se estenderam de 13 de novembro de 1618 a 29 de maio de 1619. Os delegados holandeses incluíam 58 pastores e presbíteros enviados pelos sínodos provinciais e cinco teólogos de diferentes academias. Também compareceram 28 teólogos de diversas cidades da Inglaterra, Escócia, Alemanha e Suíça (inclusive de Genebra). Os remonstrantes participaram do sínodo por algum tempo, mas depois foram afastados. Com base nos relatórios das delegações, uma comissão de nove membros redigiu os Cânones, que condenaram as idéias dos arminianos e afirmaram as convicções reformadas.
Os Cânones de Dort abordam cinco tópicos doutrinários em 59 artigos: (1) A predestinação divina; (2) A morte de Cristo e a redenção do homem; (3-4) A corrupção do homem e sua conversão a Deus; (5) A perseverança dos santos. As principais ênfases do documento são as seguintes: Deus elege e reprova não com base na previsão de fé ou incredulidade, mas por sua vontade soberana; a morte de Cristo foi suficiente para todos, mas é eficaz somente para os eleitos; mediante a queda, a humanidade ficou totalmente corrompida; a graça de Deus atua eficazmente para converter os descrentes, embora não o faça por coerção; Deus preserva os crentes de modo que não podem decair totalmente da graça. Essas declarações foram resumidas em algumas expressões conhecidas como “os cinco pontos do calvinismo”: Depravação total, Eleição incondicional, Expiação limitada, Graça irresistível e Perseverança dos santos, cujas iniciais em inglês formam a palavra “TULIP”.
O Sínodo de Dort marcou um importante ponto de transição na história da fé reformada na Holanda. Estabeleceu definitivamente o calvinismo como a teologia da igreja holandesa e também tornou oficiais a Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg. Os cânones, que foram assinados por todos os delegados, expressaram o consenso de uma significativa diversidade teológica e representaram o triunfo de um calvinismo moderado, sendo considerados uma das melhores expressões da ortodoxia protestante.