3. EXPRESSÕES CORPORAIS NO CULTO
Algumas expressões corporais encontram lugar no culto público, conforme nos ensinam as Escrituras, como uma maneira de expressão dos sentimentos que perpassam o coração da comunidade enquanto adora. Assim, encontramos referências no Antigo Testamento ao elevar as mãos a Deus e olhar para os céus durante a oração como expressão de enlevo e dependência de Deus (lRs 8.54), o ajoelhar-se diante dele, como sinal de contrição e quebrantamento (2Cr 6.13).
No culto do Novo Testamento encontramos referências ao levantar as mãos (lTm 2.8) e ao ajoe-lhar-se (At 20.36) como expressões simbólicas dos sentimentos religiosos durante o culto.
As Escrituras também mencionam outras expressões de natureza religiosa através do corpo, como danças, embora não no contexto do culto público de Israel a Deus ou do culto cristão. As danças são mencionadas mais de 25 vezes nas Escrituras, em contextos de festa popular (Jz 21.21, 23; Ct 6.13; Mt 11.17; Lc7.32; 15.25), vitórias militares (Êx 15.20; Jz 11.34; ISm 18.6; 21.11; 29.5; 2Sm 6.14, 16; lCr 15.29; Jr 31.4, 13; Lm 5.15), expressão de exultacão religiosa (SI 150.4) e de festividades pagãs (Êx 32.19; Mc 6.22). Note-se que tais ocorrências não se referem a danças no contexto do culto público oferecido a Deus, quer no Antigo Testamento ou no Novo Testamento. Além disto, a quase totalidade destas menções é encontrada em passagens histórico-descritivas, o que dificulta usá-las como norma para o culto do Novo Testamento. Considere-se a dificuldade de se fazer normas ou estabelecer princípios gerais para a vida da igreja simplesmente a partir de atos, ações, eventos e incidentes envolvendo as personagens da Bíblia.
DANÇAS LITÚRGICAS E COREOGRAFIAS
A expressão "danças litúrgicas" é geralmente aplicada às seguintes atividades: (1) às danças da congregação ao som de música durante o cântico; (2) às danças realizadas por indivíduos ou grupos à frente da igreja, em determinado momento da liturgia, e que pretendem transmitir a Palavra de Deus ao povo, ilustrando ou dramatizando uma mensagem musical durante o culto público. Estas últimas são também chamadas de coreografias, e denominadas pela IPB de "expressões corporais acentuadas".17
17 CE/IPB-2007 - Doe. CLXXXVII.
Antes de tratarmos delas, é preciso esclarecer que o dançar em si não é necessária e intrinsecamente errado e pecaminoso, a começar do fato que encontramos diversas ocasiões no Antigo Testamento em que membros individuais do povo de Deus dançaram. É nesse sentido que encontramos exemplos no Antigo Testamento de danças como expressão popular de alegria por vitórias militares dadas por Deus (Ex 15.20; Jz 11.34; ISm 18.6) ou expressão individual desta mesma alegria (2Sm 6.14). Mesmo que não encontremos no Novo Testamento qualquer referência a danças por parte de cristãos, entendemos que o ato de dançar em si não é intrinsecamente contrário ao cristianismo, a não ser quando dançar envolva e promova a impureza sexual e comprometa o testemunho cristão diante do mundo.
No que tange às danças litúrgicas, não é possível demonstrar pelas Escrituras que elas faziam parte do culto público a Deus, quer no período do Antigo Testamento ou do Novo Testamento e nem que elas são elementos do culto por ele ordenado. As passagens bíblicas geralmente mencionadas para defendê-las - como a dança de Miriã e das demais mulheres, a dança de Davi diante da arca, a dança da filha de Jefté - poderiam, no máximo, provar que cristãos individuais podem eventualmente se alegrar com os atos salvadores de Deus e espontaneamente dançar de alegria fora do ambiente de culto.
A exortação do salmo 150, "Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no firmamento, obra do seu poder" louvai-o com adufes e danças" (v. 1 e 4) tem sido entendida pelos irmãos defensores das danças litúrgicas como prova de que as danças faziam parte do culto oferecido no santuário de Jerusalém. Toda-via, um exame mais acurado da passagem revelará que o "santuário" referido pelo salmista é o firmamento, de acordo com o paralelismo hebraico usado aqui, e não o templo de Jerusalém:
Louvai a Deus no seu santuário;Louvai-o no firmamento, obra de seu poder.
Percebe-se que o santuário mencionado na primeira linha do versículo é o firmamento, mencionado na segunda linha. Encontramos o mesmo paralelismo no salmo 11.4:
O Senhor está no seu santo templo, Nos céus tem o Senhor o seu trono.
Fica evidente que o santo templo de que fala o salmista são os céus onde Deus tem o seu trono. Outra passagem é o salmo 102.20:
O Senhor observa do alto do seu santuário, Lá do céu ele olha para a terra.
Aqui encontramos mais uma vez o paralelismo que estabelece que o santuário de onde Deus olha para a terra é o céu onde ele habita. Ou seja, estas passagens dos salmos não provam que havia danças no templo de Jerusalém durante os cultos a Deus. Elas simplesmente conclamam toda a criação a adorar o Deus que habita nos céus.
Assim, tais passagens e as outras antes mencionadas e analisadas, não podem servir de base para justificar práticas tais como danças durante o louvor por parte da congregação, a existência de um grupo de dança litúrgica para realizar coreografias durante o culto, a "criação" do dom da dança santa e a organização de ministérios de dança litúrgica nas igrejas locais. No caso das expressões corporais realizadas com as crianças nos departamentos infantis, nós as consideramos apropriadas para a instrução dos infantes, não devendo, todavia, ser incluídas como parte do culto público oferecido pela igreja.
As danças litúrgicas e as coreografias não estão incluídas na relação dos elementos de culto citados nos nossos símbolos de fé. Também não se pode incluí-las nos cultos públicos a pretexto de serem meras circunstâncias. As danças não são circunstâncias ligadas à Palavra, pregada ou cantada, como se fossem uma encenação ou dramatização da mensagem de Deus, visto que não contribuem para que a Palavra seja mais bem compreendida pelo povo de Deus e têm a tendência, ao contrário, de obscurecer o seu significado e sua mensagem, desviando o foco e a atenção da comunidade.18 E, além disto, não encontramos nas Escrituras qualquer orientação para que transmitamos a mensagem de Deus ao seu povo mediante o ato de dançar, como se o mesmo fosse um meio eficaz para tal.
18 SC-IPB/98 - Doe. CXIII, considerando 6.
Na realidade, os reformadores aboliram do culto público as dramatizações dos mistérios que eram populares durante a Idade Média, considerando que não existe um meio mais eficaz para se transmitir a Palavra do que a entrega da mesma mediante a pregação e o ensino.19
19 CFW, XXI, 5; CATECISMO MAIOR, pergunta 155.
Por estes motivos, o Supremo Concílio e sua Comissão Executiva vêm consistentemente orientando as igrejas federadas a que não incluam danças litúrgicas e coreografias no culto a Deus, conforme vemos nas decisões abaixo:
"são inconvenientes todas as formas que possam distanciar os adoradores desses princípios, sendo que dentre essas formas inconvenientes, conforme já declarado pelo SCI1998, encontram-se as expressões corporais acentuadas, podendo ser incluídas entre as quais práticas tais como danças litúrgicas e coreografias" (CE-SC/IPB-2007 - Doc. CLXXXVII )". Reafirmar a resolução CLXXXVII - CE-SC/IPB-2007, que considera inconveniente nos cultos presbiterianos a prática de danças litúrgicas e coreografias. (CE-SC/IPB - 2008 - Doc. CXXXII).
Todavia, existem diversos exemplos de expressões lúdicas dos sentimentos religiosos feitos diante de Deus em outras ocasiões. Dessa forma, enquanto não se podem admitir as danças no culto público, quer nos templos das igrejas ou em quaisquer outros locais onde o culto público é realizado, por outro lado é possível reconhecer que as danças são atividades legítimas quando realizadas fora do ambiente litúrgico, como atividades culturais das igrejas locais e, nestes casos, sempre a critério de seus conselhos e desde que não provoquem a sensualidade ou escândalos.
FORTES EXPRESSÕES CORPORAIS
Determinados ritmos musicais tendem a provocar movimentos do corpo, tais como balanços, meneios e gingas, enquadrando-se naquilo que o Supremo Concílio classifica como expressões corporais acentuadas, as quais são inconvenientes por distanciarem os adoradores dos princípios que regem o culto bíblico.20 Cabe aos pastores das igrejas locais instruírem, ensinarem e orientarem a congregação quanto à natureza do culto a Deus, do louvor que a ele é devido, e do potencial que estes movimentos corpóreos têm para provocar a sensualidade e afastar a mente e o coração do propósito central do culto, que é adorar a Deus, sempre seguindo os princípios que revestem o culto a Deus de sobriedade, temor e bom senso.
20 CE-SC/IPB-2007 - Doc. CLXXXVII.
PALMAS
A expressão "bater palmas" ocorre apenas no Antigo Testamento. Para os judeus, bater palmas podia expressar ira (Nm 24.10; Ez 21.17; 22.13) e desprezo (Jó 34.37; Lm 2.15; Na 3.19). No Antigo Oriente, as palmas eram usadas para manifestar aprovação pela queda dos inimigos (Jó 27.23; Ez 6.11; 25.6), pela prosperidade do justo (Is 55.12) e como aplauso em cerimonias de aclamação dos reis (2Rs 11.12). Nenhuma das ocorrências sobre palmas no Antigo Testamento se refere à marcação rítmica de cânticos religiosos, quer no templo ou em outro lugar.
Este fato de imediato nos leva à conclusão que bater palmas durante os cânticos, ou deixar de fazê-lo, não torna tais cânticos mais ou menos aceitáveis diante de Deus. Também, que as palmas não devem ser usadas para aferir a espiritualidade e o fervor dos cultos de uma igreja e de seus participantes e que jamais devem ser vistas como expressão de espiritualidade.
Apesar de o assunto ter sido enviado várias vezes ao Supremo Concílio e sua Comissão Executiva, a IPB não tomou até o presente uma decisão de proibir ou admitir as palmas nos cultos públicos das igrejas federadas. A única resolução sobre o assunto foi a de reconhecer como legítima a decisão de um presbitério que proibiu palmas nos cultos das igrejas sob sua jurisdição.21 Esta resolução não entrou no mérito da atitude do presbitério.
21 CE-SC/IPB-2005 - Doc. 18.
APLAUSOS
Há duas passagens nos salmos em que se convida a aplaudir a Deus por seus atos majestosos e poderosos, como expressão de exultação, gratidão, honra e louvor (Sl 47.1; cf. Sl 98.4). No Antigo Oriente, era costume aplaudir os reis como forma de demonstração da sujeição, gratidão e respeito de seus súditos, em reconhecimento de suas vitórias e conquistas, ou durante a sua coroação (2Rs 11.12). A linguagem destes salmos é tirada da cerimônia de coroação dos reis de Israel e usada para se referir a Deus como o supremo Rei sobre toda a terra. Estas passagens não provam que aplaudir a Deus era uma das partes do culto público a ele prestado em Israel. Além disto, não há qualquer referência a isto no Novo Testamento. Desta forma, carece de fundamentação a prática de "palmas para Jesus!" equivocadamente introduzida em muitas igrejas evangélicas hoje.
O aplauso a homens durante o culto se constitui numa violação de um dos princípios centrais do culto a Deus, que é a sua teocentricidade. "Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória" (Sl 115.1). Aplaudir corais, coros e grupos após terem participado da liturgia torna tais participações em espetáculo, show e apresentações, tornando estas circunstâncias em fins em si mesmas, desvirtuando o seu caráter secundário e tornando o culto a Deus em culto centrado no homem.
>>> continua..