Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem. Ora, esse número é seiscentos e sessenta e seis.(Apocalipse 13:18)
Seguindo um entendimento da necessidade de uma Besta que seja relevante para os cristãos do primeiro século, chego agora ao material que muito particularmente aponta para Nero César. Esse pedaço de evidência é extraído do que é provavelmente uma das características mais conhecidas do Apocalipse.
Estamos falando, certamente, do número 666, que está registrado em Apocalipse 13:18, citado acima. Quem entre nós nunca temeu R$ 6,66 surgindo no recibo da caixa registradora? Ou pior ainda, 666 aparecendo em seu número da previdência social!
Mas como esse número é útil para nossa investigação? Comecemos com uma pesquisa do pano de fundo.
A Função dos Alfabetos Antigos
A utilidade desse número reside no fato que nos dias antigos, os alfabetos serviam a dois propósitos. As letras funcionavam, certamente, como símbolos fonéticos. Como tal, funcionavam assim como nosso alfabeto moderno. Mas nos tempos antigos as letras também serviam como numerais, sendo que o sistema de numeração arábico foi um desenvolvimento posterior da história. Os algarismos romanos são talvez o exemplo mais familiar disso. Em algarismos romanos, a letra "I" possuía o valor numérico 1; "V" era 5; "X" era 10; "C" era 100; e assim por diante. No grego e hebraico os valores das letras seguiam a ordem do alfabeto. As primeiras nove letras representavam os valores de 1-9; a décima até a décima-nona letras eram usadas para as dezenas (10, 20, 30, etc.); as letras restantes representavam valores de centenas (100, 200, 300, etc.). [1]
Devido a esse fenômeno antigo do uso duplo do alfabeto, enigmas empregando números que escondiam nomes eram comuns. Esse fenômeno é chamado de "criptograma" pelos eruditos modernos. Entre os gregos era chamado isopsephia ("igualdade numérica"); entre os judeus era chamado de gimatriya ("matemático"). Qualquer nome poderia ser reduzido ao seu equivalente numérico somando-se os valores de todas as letras do nome.
Fonte: J. D. Douglas, ed., New Bible Dictionary, 2nd ed. (Leicester, England: Inter-Varsity Press; Wheaton, IL: Tyndale House Publishers, Inc., 1982), pp. 842-843.
Arqueologistas têm descoberto muitas ilustrações de criptogramas como grafito nos muros das cidades antigas que foram escavadas. Um exemplo foi encontrado nas escavações de Pompéia. Ali foi encontrada a seguinte inscrição grega: "philo es arithmos phi mu epsilon" ("Eu amo aquela cujo nome é 545". Zahn observa desse exemplo que "o nome da mulher amada está escondido; a amada saberia quando reconhecesse seu nome na soma dos valores numéricos das três letras phi mu epsilon, i.e., 545 (ph = 500 + m = 40 + e = 5). Mas um estranho, de passagem, não saberia quem era a amada, nem o investigador do século 19 sabe quantos nomes gregos femininos se encaixariam ali".
No meio da sua história latina, Suetônio registra um exemplo de uma sátira grega que circulou logo após o incêndio de Roma, que ocorreu em 64 d.C.: "Neopsephon Neron idian metera apektine". A tradução da sátira é: "Um novo cálculo. Nero sua mãe assassinou". J. C. Rolfe observa na edição Loeb Classical Library das obras de Suetônio que "o valor numérico das letras gregas no nome de Nero (1005) é o mesmo do restante da sentença; assim, temos uma equação: Nero = o assassino da sua própria mãe". E muito interessante observar que já havia criptogramas anti-Nero circulando quando João escreveu o Apocalipse.
Que os rabinos judeus de antigamente usavam gimatriya é evidente também. Isso pode ser visto consultando-se o Talmude Babilônico e outros escritos rabínicos antigos.!º Em adição, os escritos cristãos frequentemente empregavam enigmas gemátricos. A antiga obra cristã Sibylline Oracles tem o nome Jesus como equivalente a "888" e faz uso de valores numéricos para indicar iniciais de vários imperadores romanos, incluindo Nero.
Quando João, então, deu um valor numérico como um encobrimento parcial do nome da Besta (Ap. 13:18), ele estava fazendo uso de uma prática comum em seus dias. Se pudermos decifrar o nome oculto no número, poderemos apontar a identidade da Besta.
À medida que aprendermos a identidade do 666, devemos lembrar os vários princípios de interpretação listados no capítulo 1 [2].
Esses princípios são:
- O nome-número 666 deve ser "aquele de um homem" (Ap. 13:18b, versão do autor).
- O nome deve ser de alguém contemporâneo de João.
- O nome deve ser de alguém relevante para os cristãos do primeiro século, a quem João escreveu.
- O nome deve ser de alguém com uma natureza má e blasfema.
- Ele deve ser também uma figura política possuindo grande autoridade (Ap. 13:2,7).
Uma boa quantidade de debate tem envolvido a idéia que designei aqui como meu primeiro princípio, que é o fato do número precisar ser de um homem. Alguns eruditos interpretam a frase "número de um homem" como indicando meramente que o número envolvido é um número humano, não um sobrenatural.[13] Mas não há nada no contexto que sugira isso. Qual seria o ponto de João? Por que João diria aos seus leitores (aos quais ele tinha exortado a ler e entender, Ap. 1:3) que ele daria um número inteligível e humano, ao invés de um ininteligível e sobrenatural? Outros abordam o número como puramente simbólico da "falha sobre falha sobre falha"[14] ou "uma persistente insuficiência"[15], visto que ele falha em ser o número sete, que fala de completude ou perfeição qualitativa.[16] Em resposta, deveria ser observado que a interpretação mais natural da frase é "o número de um homem". Além disso, o número na verdade é "seiscentos e sessenta e seis", não "seis e seis e seis".
Identificando o 666
Baseado no que conhecemos do caráter e ações de Nero, ele se enquadra facilmente dentro dos parâmetros dos princípios declarados acima, que foram derivados dos textos do Apocalipse. Eu mostrarei que, na realidade, Nero é indicado por esse número misterioso. Duas linhas de evidência convergem para Nero, compelindo minha escolha dele como o candidato.
O Número de Nero
Certamente, a condição necessária para um candidato é que seu nome satisfaça o valor do criptograma. Se algum nome não contém o valor de 666, então deve ser necessariamente excluído de consideração.
Interessantemente, vários eruditos do último século - Fritzsche, Holtzmann, Benary, Hitzig and Reuss'" - tropeçam, independentemente, no nome Nero César quase simultaneamente. Vimos que a grafia grega do nome de Nero tinha o valor de 1005. A grafia hebraica do seu nome era Nrwn Qsr (pronunciado: Neron Kaiser). Tem sido documentado por descobertas arqueológicas que uma grafia hebraica do nome de Nero, do primeiro século, nos fornece precisamente o valor 666. O léxico de Jastrow do Talmude contém essa mesma grafia. Os valores numéricos são os seguintes:
resultando em:
Um grande número de eruditos bíblicos reconhece esse nome como a solução para o problema. Não é considerável que esse extremamente relevante imperador tenha um nome que se encaixe precisamente na soma requerida? Isso é completamente um acidente histórico?
A Variante Textual 616
Se você consultar uma Bíblia com referências marginais poderá observar algo interessante com respeito a Apocalipse 13:18. Sua referência pode dizer algo como: "Alguns manuscritos trazem 616". O fato é que o número 666 em alguns manuscritos antigos da Escritura foi realmente mudado para 616. Mas por quê? Ele foi mudado acidentalmente, ou de propósito?
A diferença certamente não é um problema de vista em algum copista antigo. Os números 666 e 616 não são nem sequer similares em aparência no original grego -quer grafados em palavras ou em numerais. As letras representativas dos valores para 60 e 10 (que fariam a diferença entre as duas leituras) são tão diferentes quanto duas letras poderiam ser.
Se os valores foram originalmente grafados em palavras, ainda não haveria nenhuma similaridade. O valor para 60 seria indicado assim: hexekonta; o de 10 seria lido: deka. De forma alguma um copista poderia confundir as duas. Como eruditos textuais concordam, isso deve ter sido intencional. Mas novamente perguntamos: Por que? Embora não possamos estar absolutamente certos, uma razão forte e muito razoável pode ser apresentada com a conjectura a seguir.
Como mostrado acima, João, um judeu, usou uma grafia hebraica do nome de Nero para chegar ao número 666. Mas quando Apocalipse começou a circular entre os menos inteirados com o hebraico, um copista bem intencionado, que conhecia o significado do 666, poderia ter pretendido tornar sua decifração mais fácil, alterando-o para 616. Com certeza não se trata apenas de uma coincidência que 616 é o valor numérico de "Nero César" transliterado em caracteres hebraicos segundo a grafia latina mais comum.
Tal conjectura explicaria satisfatoriamente o raciocínio para a divergência: para que a mente não-hebraica pudesse mais prontamente discernir a identidade da Besta. Até mesmo Donald Guthrie, defensor de uma data mais recente do Apocalipse, concorda que essa variação dá à designação de Nero "uma vantagem distinta". Como o erudito em grego Bruce Metzger diz: "Talvez a mudança tenha sido intencional, visto que a forma grega para Nero César escrita em caracteres hebraicos (nrwn qsr) é equivalente a 666, enquanto a forma latina para Nero César (nriw gsr) é equivalente a 616". Tal possibilidade oferece uma confirmação considerável para a designação de Nero.
Não é concebível, à luz de tudo o que tem sido observado até aqui, que João designou Nero dessa forma? A medida que você continuar lendo os capítulos seguintes, observe como Nero também satisfaz todos os demais requerimentos do caso.
Objeções a Nero
Certamente, essa visão, embora largamente espalhada, não é aceita por todos os eruditos. Há certos problemas que alguns vêem com a designação de Nero. Mencionemos dois dos principais.
O Silêncio dos Pais da Igreja Primitiva
É frequentemente argumentado que num dos tratamentos mais antigos do criptograma em Apocalipse 13:18 não é feita nenhuma menção de Nero como um candidato provável. A referência à qual nos referimos é a obra Contra as Heresias, escrita por Irineu, Bispo de Lion, por volta de 180 d.C.
Não somente Irineu não menciona Nero, mas ele menciona outras possibilidades: Euthanos, Laetinos, e Teitan. Se Nero era o significado real do enigma, por que Irineu não sabia isso, visto que escreveu sobre o assunto 100 mais tarde? Por que nenhum outro Pai da igreja sugeriu isso?
Isso certamente parece ser uma objeção razoável à nossa teoria.[7] De fato, ela é o argumento mais forte contra ela. Contudo, em última análise, ela não pode destruir a evidência positiva para a teoria, por duas razões.
Primeiro, o argumento é realmente uma espada de dois gumes. O próprio fato que Irineu, escrevendo aproximadamente 100 anos após Apocalipse, não poder estar certo da designação apropriada demonstra que a interpretação verdadeira, seja qual for, se perdeu mui rapidamente. Se isso é verdade de Irineu em 180 d.C., é certamente verdade dos Pai posteriores.
Segundo, tivesse Irineu oferecido com convicção e certeza uma alternativa específica, o caso contra a teoria de Nero teria sido mais seriamente desafiado. Interessantemente, Irineu sugere a desesperança de se determinar o entendimento apropriado: "Portanto, é mais certo, e menos arriscado, esperar o cumprimento da profecia do que fazer suposições e apresentar nomes, visto que muitos nomes podem ser achados possuindo o número mencionado; e a mesma questão, no final, permanecerá não resolvida".[8] Irineu admite sua própria ignorância sobre o assunto. Como pode isso provar que a teoria de Nero está errada? Nenhum dos posteriores Pais da igreja fizeram mais que supor a solução. O enigma não tem nenhuma resposta?
O Problema da Grafia Hebraica
Alguns têm argumentado que, visto que João escreve às igrejas gentílicas na Ásia Menor, a manobra mecânica necessária para derivar o nome da sua grafia hebraica seria muito difícil para a audiência. Embora razoável à primeira vista, essa objeção também falha em minar a teoria de Nero.
Primeiro, embora João tenha escrito em grego, Apocalipse há muito foi reconhecido como um dos livros mais "judaicos" do Novo Testamento. Todos os comentários técnicos sobre Apocalipse reconhecem isso. Por exemplo, em seu comentário R. H. Charles inclui uma seção principal intitulada "Uma Breve Gramática do Apocalipse". A seção 10 dessa "Gramática" é intitulada "O Estilo Hebraico do Apocalipse". Ali Charles observa muito bem a sintaxe incomum de João: "A razão claramente é essa: embora ele escreva em grego, pensa em hebraico". J. P. M. Sweet coloca isso da seguinte forma: "A probabilidade é que o escritor, pensando em hebraico ou aramaico, consciente ou inconscientemente transfere os idiomas semíticos para o seu grego, e que seus "erros tolos" são tentativas deliberadas de reproduzir a gramática do hebraico clássico em certos pontos". Alguns eruditos até mesmo sugerem que João escreveu originalmente em aramaico, um idioma cognato do hebraico.
Segundo, de fato há outros nomes muito hebraicos em Apocalipse. Por exemplo, as palavras "Abadom" (Ap. 9:11) e "Armagedom" (Ap. 16:16) são palavras gregas de origem hebraica. A palavra hebraica "Satanás" é usada por João, mas é interpretada para o grego como "o diabo" (Ap. 12:9). Outras palavras também aparecem: "Amém" é dito significar "verdadeiramente" (Ap. 3:14). O hebraico "aleluia" nem mesmo é traduzido para um equivalente grego (Ap. 19:1, 3, 4, 6). Assim, quão natural seria adotar uma grafia hebraica para a base do criptograma.
Terceiro, a Ásia Menor era bem povoada pelos judeus. Na realidade, "bem antes da era cristã, os judeus tinham formado um fator considerável na população das cidades da Ásia". De fato, os judeus "eram uma parte notável da população da Alexandria. Eles estavam fortemente enraizados na Síria e Ásia Menor... Poucas cidades do império estavam sem a presença deles". A audiência poderia muito bem ser composta de pelo menos uma minoria significante de judeus.
E por que João não deveria usar um enigma hebraico? Não era o próprio João um judeu? Não foi ele, o escritor do Apocalipse, enviado aos da "circuncisão" (Gálatas 2:9)? A despeito da brevidade de cada uma das sete cartas, nelas existem alusões proeminentes a situações judaicas (Ap. 2:9, 14; 3:9). No próprio livro existem alusões definitivas a questões judaicas, tais como as doze tribos de Israel (Ap. 7 e 14).
Conclusão
O papel de Nero César em Apocalipse é grande. Assim como todos os caminhos conduzem a Roma, todos eles terminam no palácio de Nero César. Os fatores apontando para Nero em Apocalipse são numerosos e variados. Eu mostrei que seu nome se encaixa perfeitamente na leitura correta do texto em Apocalipse 13:18, que é 666. Seu nome até mesmo se encaixa na leitura corrompida, ou seja, 616. Nos capítulos seguintes, evidências adicionais serão apresentadas para fornecer um realce ainda maior da interpretação de Nero como 666.
É difícil ignorar as muitas formas nas quais Nero preenche as expectações de Apocalipse. Ele é a única figura histórica contemporânea que poderia cumprir todos os requerimentos. Contrário a alguns comentaristas que temem que a chave para o "666" de Apocalipse tenha se perdido, sugiro que a chave está realmente no buraco da fechadura, o último lugar a ser investigado!
Fonte: Capítulo 3 do livro The Beast of Revelation, Kenneth L. Gentry, Jr.
Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Extraído de:
http://www.monergismo.com/textos/preterismo/numero-besta_gentry.pdf
Notas:
[1] Para evidência prontamente disponível desses valores no hebraico e grego, o leitor pode consultar as letras apropriadas em suas entradas em Francis Brown, S. R. Driver, e Charles A. Briggs, eds., A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament (Oxford: Clarendon Press, 1972) e G. Abbott-Smith, A Manual Greek Lexicon of the New Testament (Edinburgh: T. & T. Clark, 1950).
[2] Leia o capítulo 1:
http: //www.monergismo.com/textos/preterismo/identidade-besta gentry.pdf
Leia o capítulo 2:
http: //www.monergismo.com/textos/preterismo/relevancia-besta gentry.pdf
[3] Veja discussão em R. H, Charles, A Critical and Exegetical Commentary on the Revelation of St. John,
2 vols. (Edinburgh: T. & T. Clark, 1920) 1:364-365; e Mounce, Revelation, p. 264.
[4] William Hendriksen, More Than Conquerors (Grand Rapids: Baker, [1939] 1967), p. 182.
[5] León Morris, The Revelation of St. John (Grand Rapids: Eerdmans, 1969), p. 174.
[6] HenryB. Swete, Commentary on Revelation (Grand Rapids: Kregel, [1911] 1977), pp. cxxxvi-cxxvii.
[7] Essa objeção, contudo, se aplicaria a qualguer exposição moderna do nome, pois nenhum comentarista moderno adota as sugestões de Irineu!
[8] Contra Heresias 5:30:3